Hergé na Fundação Calouste Gulbenkian

Hergé na Fundação Calouste Gulbenkian

Exposição dedicada a Hergé em Portugal.

Esta exposição dedicada ao autor de Tintin apresenta tesouros do Museu Hergé e revela as diversas facetas do autor, da ilustração à banda desenhada, passando pela publicidade, imprensa ou desenho de moda e artes plásticas.

Esta é uma exposição dedicada a Georges Remi, o artista de múltiplos talentos conhecido por “Hergé”.

Organizada em colaboração com o Museu Hergé de Louvain-la-Neuve, a mostra reúne uma importante seleção de documentos, desenhos originais e várias obras criadas pelo autor de Tintim, através da qual o público terá a ocasião de decifrar a arte de um criador de génio que usa todos os meios à sua disposição para realizar as suas composições, da ilustração à banda desenhada, passando pela publicidade, imprensa ou desenho de moda e artes plásticas.

Inspirando-se em várias correntes artísticas da sua época – da pop art ao abstrato, passando pelo minimalismo –, este artista autodidata também se interessou por civilizações antigas e pelas chamadas artes primitivas.

O que torna a arte de Hergé única e a distingue da de muitos outros autores de banda desenhada é a sua extraordinária capacidade de representar a realidade por um lado, de uma forma inventiva, mas por outro, tão familiar que o leitor pode facilmente projetar-se neste universo criado a partir do zero. Com linhas simples de uma impressionante precisão, sob o estandarte da inimitável “linha clara”, Hergé dá origem a personagens emblemáticas que encarnam os grandes valores da sociedade.

Esta exposição é uma oportunidade única para os visitantes descobrirem alguns dos tesouros dos Museu Hergé: pranchas originais, pinturas, fotografias e documentos de arquivo.

Será também a ocasião para revelar uma faceta do artista menos conhecida: a sua brilhante carreira como designer gráfico publicitário, revelada pelos seus cartazes altamente criativos.

NÚCLEOS

Grandeza da arte menor

A pouca importância atribuída à banda desenhada afetava Hergé, cuja obra, internacionalmente consagrada, suscitava entusiasmo, mas tardava em ser reconhecida como uma verdadeira arte. Esta exposição celebra hoje o grande artista que ele foi, sob a forma de um regresso às origens, e propõe ao visitante explorar certos aspetos menos conhecidos da sua personalidade, começando pelas suas incursões na pintura no início dos anos 1960 e pelo fascínio que, naquela época, ele tinha pela arte do seu tempo, a mais moderna.

Hergé, o amante da arte

Muito antes do seu encontro pessoal com a arte moderna, Hergé está já familiarizado com as correntes artísticas de diversas origens e épocas. Logo nos primeiros anos da sua atividade profissional no jornal Le Vingtième Siècle, o jovem entra em contacto com artigos dedicados às pinturas e esculturas realizadas pelos seus contemporâneos, mas que fazem também referência às correntes artísticas do passado, próximo ou distante.

Essas reportagens abordam assuntos tão diversificados como a arte pré-colombiana, Van Gogh, Tutankhamon, Brueghel, Utrillo, Dürer, Goya, Monet, etc. Outras ainda dão a conhecer aos leitores museus como o do Cinquantenaire, o Museu das Belas-Artes de Tournai, as exposições nas galerias belgas…

Com o aparecimento de As Aventuras de Tintin e através das suas redes de amigos e de conhecidos, Hergé vai pouco a pouco reunir uma reserva de imagens documentais que lhe permitirão integrar nas suas vinhetas referências a diversas correntes artísticas. Com a sua iniciação à arte moderna nos anos 1960, Hergé descobre então o prazer da coleção privada e rodeia-se de diversas obras, verdadeiras paixões, que serão colocadas nas paredes da sua casa, mas também nas dos Studios Hergé.

O romancista da imagem

Em várias entrevistas, Hergé explica que sempre gostou de contar histórias e, ao mesmo tempo, de as acompanhar com desenhos ilustrativos.

Inspirando-se no cinema mudo, no cinema a preto-e-branco, no expressionismo alemão, mas influenciado também pelas suas leituras de criança e adolescente, Hergé desde cedo desenvolve um conhecimento bastante consequente da arte da découpage, da construção da história e da representação. Criar uma atmosfera, um cenário, um ambiente, construir uma narrativa, uma intriga, criar uma galeria de personagens, eis em poucas palavras os atributos de um autor-desenhador que estará em constante evolução ao longo da sua carreira profissional.

Apropriando-se de uma série de métodos caraterísticos do romance, mas também de alguns “truques” próprios da linguagem cinematográfica, Hergé transfigura-os para criar uma obra original, uma mistura harmoniosa de palavras e imagens que fazem dele um grande autor.

A elipse, o running gag, o MacGuffin, o jogo de palavras, a alternância de situações trágicas e cómicas, o humor, a dimensão psicológica dos personagens… são inúmeros os exemplos que conferem a Hergé o estatuto de autor de exceção.

O êxito e a tormenta

1940. As tropas alemãs ocupam a Bélgica. O jornal Le Vingtième Siècle desaparece e, com ele, Le Petit Vingtième. Hergé deixa de ter onde publicar os seus desenhos, até que surge a solução: o diário Le Soir, de Bruxelas, pretende criar um suplemento semanal para a juventude. As Aventuras de Tintin reaparecem primeiro no suplemento Le Soir Jeunesse, até julho de 1941 e, mais tarde, diretamente no Le Soir, sob a forma de tiras diárias. A colaboração de Hergé com o Le Soir e alguns jornais de língua flamenga, todos sob domínio das forças de ocupação, causar-lhe-ia grandes inquietações no momento da Libertação. Preso várias vezes, em setembro de 1944, para ser interrogado, é ilibado oficialmente apenas em maio de 1946 com a obtenção do seu “certificado de civismo”.

Para o desenhador, a Segunda Guerra Mundial coincide com um período de sucesso: nunca a tiragem dos seus álbuns na Casterman fora tão grande. Mas foi, sobretudo, a época da sua maturidade gráfica. Pressionado pelo editor, mas sempre guiado pelos seus princípios de simplicidade e de legibilidade, Hergé adotou finalmente a cor em A Estrela Misteriosa, mas escolheu tons delicados aplicados de forma uniforme, sem sombras nem degradês. Perante a monumental tarefa de editar a cores os álbuns mais antigos, precisava de ajuda: foi então que conheceu Edgar P. Jacobs!

Este período carateriza-se também pela estreia de um novo personagem: o Capitão Haddock, que surge pela primeira vez em O Caranguejo das Tenazes de Ouro. Generoso, brusco e irascível, utilizando palavrões com desenvoltura, este homem muito sentimental não deixará de nos impressionar com o seu inabalável sentido de amizade.

Uma família de papel

As pranchas desenhadas a lápis apresentadas ao público nesta sala testemunham o grande domínio de Hergé na arte do retrato.

O seu traço a lápis torna-se mágico quando se concentra nos seus personagens. É examinando, de perto ou de longe, os retratos realizados por Hergé que nos damos conta até que ponto ele desenha bem. A sua sensibilidade, o seu feeling e o seu domínio deste género são notáveis. Ele observa e reproduz, muitas vezes ao vivo (outros posam para ele) e o resultado é magistral.

Se a banda desenhada foi, durante muito tempo, considerada uma arte menor, foram personalidades como Hergé que a impulsionaram para níveis artísticos nunca igualados. Certos esboços, realizados a grafite, do Capitão Haddock, de Tintin ou do Professor Girassol, por exemplo, lembram-nos — pela sua complexidade, a sua turbulência sábia, a justeza de tom — exercícios de estilo que nada ficam a dever aos grandes mestres que Hergé admirava: Dürer, Holbein, Da Vinci, Ingres…

Hergé e a revista Coeurs Vaillants

A relação entre o desenhador e os seus personagens é profunda, íntima e duradora. Mas esta caraterística aplica-se sobretudo à série de as aventuras de Tintin e Milu. Essa conivência será menos forte em Quim e Filipe, embora os dois miúdos vivenciem peripécias e situações inspiradas em parte na própria infância de Hergé. E será praticamente inexistente no que refere às histórias de Joana, João e o Macaco Simão.

Podemos, neste último caso, falar de um verdadeiro trabalho de encomenda. O desenhador trabalha nesta série, manifestamente sem entusiasmo, limitando-lhe, aliás, o número de álbuns.

Embora o autor se regozije por ter sido, quase de imediato, publicado em França, na Suíça e em Portugal, lamenta, no entanto, o facto de as aventuras de Tintin, tal como as de Joana, João e o Macaco Simão terem sido apresentadas, impressas, e até coloridas, sem muito respeito pelos critérios qualitativos observados nas publicações de origem. O coração de Hergé não reagiu com grande valentia quando viu a sua obra reproduzida em Coeurs Vaillants.

A arte do reclame

O termo “reclame” não foi escolhido por acaso: é uma alusão direta ao que era utilizado nos anos 1930, em substituição do termo “publicidade” como dizemos agora. Os anos 1930 assistiram, assim, ao nascimento do L’Atelier Hergé-Publicité.

Esta sala revela um lado desconhecido dos talentos do desenhador de banda desenhada. Encontramos aqui belos e grandes cartazes concebidos por Hergé e pelo seu sócio José De Launoit. Descobrimos aqui o verdadeiro talento do pai de Tintin no domínio da publicidade e das mensagens de vocação publicitária. Toda uma época, todo um estilo!

Os documentos expostos proporcionam também uma lição de grafismo: a simplicidade da mensagem, o lettering, a distribuição, a repartição dos espaços, a passagem a cor: toda uma série de caraterísticas e de particularidades que reencontramos nos princípios fundamentais próprios da linha clara.

Os mesmos princípios se aplicam às ilustrações de capas, panfletos publicitários e outros documentos relacionados com o domínio da publicidade.

Este aspeto menos conhecido, marginal em relação à notoriedade da obra de BD de Hergé, inclui um outro que também não o é menos: a série sobre animais Tim l’Écureuil (Tim, o Esquilo), influenciada pela visualização, na época, dos desenhos animados.

A lição do Oriente

É incontestável que para Hergé o acontecimento mais importante da década de 1930 foi o seu encontro com Tchang Tchongjen e a publicação do álbum O Lótus Azul.

O jovem ocidental é “confrontado” com um jovem oriental. Pontos em comum: a arte (pintura, escultura, desenho, banda desenhada), a religião (Tchang é católico), a língua (Tchang fala francês). O choque…

Um encontro que se materializa com uma nova aventura de Tintin, dotada de maior dimensão na narrativa em comparação com os episódios anteriores.

Esse acontecimento é celebrado nesta sala por numerosos documentos: pranchas realizadas a tinta da China, ilustrações de capas do Le Petit Vingtième relacionadas com O Lótus Azul, folhetos, objetos pessoais de Tchang, etc.

A parede com fascículos do Le Petit Vingtième evoca, por sua vez, a intensa atividade de Hergé desenhador e ilustrador durante os anos 1930. Atividade que não se limita, claro, à criação do episódio de O Lótus Azul. Não deixa de ser notória a piscadela de olho a Quim e Filipe e a outras produções assinadas por Hergé durante esses anos de trabalho intenso.

O nascimento de um mito

O destino de Hergé mudou para sempre a 10 de janeiro de 1929. Tintin está em marcha!

Hergé sempre gostou de contar histórias. Dotado de uma memória extraordinária e de uma curiosidade sem limites, este puro autodidata assimila rapidamente a arte de contar uma história, a découpage, as receitas para que aquilo “funcione”.

Das influências reconhecidas pelo próprio autor (Rabier, Saint-Ogan, McManus) aos primeiros desenhos significativos, dos “pecados da juventude” às pranchas conseguidas, da pré-publicação no Le Boy-Scout aos álbuns na Casterman, das técnicas de reprodução aproximativa à bela impressão sobre papel de qualidade superior, vamos descobrir a evolução do processo criativo que levará o jovem Georges Rémi a tornar-se Hergé, pai da banda desenhada europeia.

Podemos ver vinhetas notáveis, extraídas de Tintin no País dos Sovietes. Uma bela reflexão sobre “a beleza silenciosa do preto e branco”, e a receita da linha clara.

CONFERÊNCIAS

I. O Futuro de Tintin
Sexta, 01 de outubro, 19:00
O Diretor dos Studios Hergé, Nick Rodwell, vai dialogar com o jornalista Frederico Duarte Carvalho sobre o Futuro de Tintin, personagem icónica da banda desenhada mundial.

II. Ciclo Hergé no mundo contemporâneo:
Moderação de António Costa Pinto

1) Hergé e o Portugal do Estado Novo
António Cabral e António Araújo
Sexta, 12 de novembro, 18:00 / Auditório 3

2) Hergé global
Carlos Gaspar e Miguel Bandeira Jerónimo
Segunda, 22 de novembro, 18:00 / Auditório 3

3) Hergé e o mundo contemporâneo
João Pedro George e Maria Inácia Rezola
Terça, 23 de novembro, 18:00 / Auditório 3

III. Ciclo Ler Hergé hoje:
Moderação de João Paulo Cotrim

1) A linha é assim tão clara?
Fernanda Fragateiro e Francisco Vidal
Segunda, 29 de novembro, 18:00 / Auditório 3

2) Apresentação do livro “Tintin no país dos Sovietes”
pelas Edições Asa
Segunda, 06 de dezembro, 18:00 / Auditório 3

3) Espécie de catacrese!
Patrícia Portela e José Pedro Serra
Segunda, 10 de janeiro, 18:00 / Auditório 3

PERFORMANCE

Castafiore
Performance de Catarina Molder
Sábado, 11 de dezembro, 18:00 / Auditório 2
Sábado, 08 de janeiro, 18:00 / Auditório 2

DATA:
01 out 2021 – 10 jan 2022
seg, qua, qui, sáb, dom 10:00 – 18:00
sex 10:00 – 21:00
Encerra à Terça-feira

LOCAL:
Fundação Calouste Gulbenkian
Edifício Sede – Galeria Principal
Av. de Berna, 45A, Lisboa
Lotação máxima: 60 visitantes

One thought on “Hergé na Fundação Calouste Gulbenkian

  1. Aconselho a visita (pelo menos uma) vivamente!
    Para além das memórias que vai despertar em muitos de nós, vai sem dúvida criar outras a quem nos acompanhar.

    Para além disso, não é todos os dias que temos à nossa frente esboços e pranchas originais de Hergé. E ainda ficamos a conhecer algumas facetas menos conhecidas do criador de Tintin.

    Aconselho ainda a compra do catálogo da exposição (em capa dura) que vem acompanhado de um segundo livro dedicado à relação de Hergé com Portugal.

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