
Análise de O Mercenário vols. 2-3: A Fórmula | As Provas.
A guerra, a fome e a doença varrem a Europa!
As populações mais afortunadas refugiam-se por trás de muralhas ou perto delas. Os mosteiros, centros de erudição, registam a memória da humanidade. Portugal, Espanha, Inglaterra ou França ainda não existem. O ano que corre é o da Besta, que parece andar à solta pelas terras a espalhar mortandade, ajudada por fenómenos climatéricos extremos no virar do milénio.
É o ano da Graça de 1000.
Mas sobre este mundo existe um outro, lá no alto, envolto por um espesso manto de nuvens. Um mundo povoado por dragões e por um extraordinário bestiário. Um mundo onde um estranho sem nome vai deixar a sua marca e ficar conhecido simplesmente como o Mercenário.
Série de grande sucesso, criada em 1980 por Vicente Segrelles, O Mercenário viu ser lançado recentemente em Portugal o primeiro e o décimo volume (ver artigos Nada é Assim tão Simples! e Ao Estilo de Sherazade!). Agora, a Ala dos Livros volta a publicar dois volumes em simultâneo, o segundo e terceiro da série, ambos em edições muito cuidadas e novamente com um caderno final, profusamente ilustrado, no qual o autor nos embrenha nos bastidores de cada álbum.
Vamos às histórias!
A Fórmula

O dragão plana graciosamente através do ar rarefeito do País das Nuvens Permanentes até aterrar no grande pátio que ladeia o edifício do armeiro. No interior, o Mercenário experimenta um elmo que lhe inspira pouca confiança ao mesmo tempo que cobiça uma bela armadura que está muito acima das suas posses.

O estranho acabado de chegar, apresenta-se ao Mercenário. É Claust, um conceituado alquimista que, em troca da armadura, o contrata como escolta para uma viagem longa e perigosa até à Grande Planície Gelada.
Mas logo na estreita passagem escarpada que dá acesso à Zona dos Grandes Frios, adivinham-se os perigos que os dois terão de enfrentar. Este é o ponto até onde o Mercenário conhece o território. Segue-se um intrincado labirinto de gargantas rochosas que, de tão altas, parecem querer desabar sobre o dragão e os seus dois ocupantes.
O intenso frio obriga a montada a descer de altitude, parecendo aumentar a enormidade do desfiladeiro. O curso de água que rasga há milénios as enormes rochas parece adormecido e tranquilo. Mas esta aparente calmaria encerra perigos incalculáveis…

Porque razão o conceituado alquimista Claust deseja empreender viagem tão perigosa? E o que os espera no meio da Grande Planície Gelada? A única certeza é que esta aventura moldará o futuro do Mercenário…
As Provas

O Mosteiro da Ordem da Cratera situa-se no centro da inóspita Planície Gelada. Os seus monges agregam conhecimentos há muito perdidos bem como as últimas descobertas tecnológicas apenas por alguns conhecidas. Para bem da humanidade, há que guardar com a vida tamanhos segredos. E o Mercenário parece estar à altura da tarefa. No entanto, o ingresso na Ordem da Cratera não se processa facilmente e há que submeter-se a provas muito duras.
É Lama, o sábio ancião responsável pelo Mosteiro, que prepara o Mercenário para as provas que mostrarão até onde vai a sua capacidade de lutar, a sua valentia, a força de vontade e a resistência à traição.
O ritual tem início à meia-noite, por entre as dezenas de tochas que os monges transportam, enquanto acompanham o Mercenário à sua montada alada. Solitário, voa até à sua primeira prova, colocando a sua vida, de igual modo, nas mãos do destino e nas suas qualidades de guerreiro experiente.
Mas será que ele irá conseguir ultrapassar todas as provas? E mesmo que o faça, conseguirá ser admitido na Ordem da Cratera? E qual o papel que a bela Nan-Tay e o odioso Claust desempenharão nesta nova aventura do Mercenário?

Com o primeiro volume da série O Mercenário (O Fogo Sagrado), Vicente Segrelles apresentou-nos o seu personagem, o mundo onde este vive e a época, uma Baixa Idade Média banhada de Fantasia e de alguns anacronismos que, no entanto, resultam na perfeição.
Agora, com os volumes 2 e 3, as aventuras do Mercenário têm o seu verdadeiro início. Os personagens principais que acompanharão o herói ao longo da série são-nos apresentados em A Fórmula. Para além do Mercenário, ficamos a conhecer o Lama – o abade do Mosteiro da Cratera -, Nan-Tay, a voluptuosa mercenária, a soldo do Mosteiro e companheira do Mercenário em várias aventuras – e Claust, o arqui-inimigo da Ordem da Cratera e do nosso soldado sem nome. Não sendo propriamente um personagem, também aqui nos é apresentada a armadura que o nosso protagonista irá envergar ao longo da série.

Para além disso, e ao contrário do que aconteceu no primeiro volume, estes dois novos álbuns têm uma certa continuidade, conseguindo, por isso, enriquecer tanto a narração como a trama. E, ainda assim, mantêm a característica de poderem ser lidos como aventuras isoladas.
E para os leitores que se deixaram fascinar pelos animais fantásticos do primeiro volume, este é um momento de rejúbilo, pois Segrelles aprimora e aumenta o seu Bestiário, seja por nos apresentar novos dragões ou estranhos seres anfíbios ou ainda cavaleiros gigantes couraçados de espécie indefinida entre homem e animal.


No início da sua carreira, Vicente Segrelles trabalhou como desenhador técnico e isso reflecte-se no seu gosto em destacar, através da sua arte, tecnologia avançada perfeitamente enquadrada no ambiente medieval no qual decorrem as aventuras do Mercenário. Desde o pormenor das armaduras complexas, à besta extraordinária (mas real) utilizada por Nan-Tay, passando pelo uso da pólvora, tudo nos é apresentado com grande detalhe, evidente funcionalidade e um grande realismo, como se pode verificar nas três imagens que se seguem.



Segrelles faz a apologia da simplicidade na sua obra, sobretudo ao nível da história e da narrativa. No entanto, com a continuidade das aventuras e com as várias reviravoltas sofridas pela trama, a simplicidade é esboroada. Para mais, a simplicidade não existe na sua arte, que é tão detalhada ao nível dos rostos e das expressões, como ao nível dos décors, das armas, vestuário e animais.

Por fim, a Arte em si. Segrelles pinta cada vinheta a óleo. Cada “quadradinho” é, por si só, um quadro, uma obra de arte realista. E, mesmo quando representa animais tenebrosos, alarves suados ou ambiências pesadas, a sua arte elegante transforma tudo em belo, no sentido de poder ser admirado demoradamente. Ou seja, o suor é uma excrescência porca, mas ficamos a admirar a qualidade artística daquela gotícula que teima em brilhar num rosto papudo.
Em suma, caro leitor, se quer aventuras excitantes, pejadas de animais fantásticos, batalhas elaboradas, mulheres bonitas, tudo num ambiente medieval e envolto numa arte de grande beleza, O Mercenário é uma série a não perder!


Amante da literatura em geral, apaixonado pela BD desde a infância, a sua vida adulta passa-a toda rodeado de livros como editor. Outra das suas grandes paixões é o cinema e a sua DVDteca.