Análise de O Coração na Boca de Horácio Gomes.
O Coração na Boca é uma banda desenhada mas vou tentar escrever sem “vê-lo”. Ou melhor, com o coração.
O autor foi corajoso na escolha do tema. Pode parecer lamechas, um cliché actual, falar de crianças; contudo ando a redescobrir que normalmente os temas que não trazemos para a ribalta são os do quotidiano familiar que magoam (também muito contraditórios), pois não são fashionable e instagramable, ora por sermos pobres financeiramente (não termos casas “nossas”, ricas e bonitas, bem decoradas com boa luz and all that jazz) e, acima de tudo, não ser e ter as escolhas mais acertadas aos olhos de uma sociedade cada vez mais sofisticada, inteligente, dinâmica, “saudável” e consequentemente “livre e feliz”. Mais Europa do Norte, diria. Em que se escolhe o companheiro perfeito para partilhar uma vida perfeita ou tentar chegar a um bom nível. E ser um pai ou mãe (casal) cada vez mais perfeito e em pleno.
O autor, o pai de uma menina, não teve nada disso e penso que se desmazelou um pouco durante o seu percurso. Terá sido escolha? A vida será um jogo de sorte ou azar, enquanto não abres a pestana e te tornas um publicitário da tua própria existência? É duro, muito duro quanto se está na merda. Ninguém quer isso.
Logo, boas escolhas são bem vindas.
Mas caramba, penso e repenso e revejo-me em demasiadas situações de dor do autor (mas sim, eu sou um pouco cobardolas; ou ainda não chegou o momento de “meter os cornos no destino”, talvez) e “revejo” um amigo, que me disse uma vez: não faço planos. Na altura, fazia planos por prazer: uma viagem, um livro, um rolo de película para a máquina e a vida não custava quase nada.
Mais tarde, disse-me uma coisa que ficou na memória até hoje: desde que tive os putos que não tenho tempo para estar deprimido.
Claro que não falava de depressão clínica, diagnosticada, mas sim de várias crises existenciais e pânico que vamos tendo ao longo do nosso percurso terrestre.
Voltando ao autor, que também sente várias crises em pleno, torna-se maduro ao longo do livro e com uma fé incrível, sem vergonha mas com medo: ser um bom pai. Nesta escola da vida, sem expectativas, os planos não são para todos. Será destino?
Eu sei lá.
Sei que vale a pena ler o livro.
Costumava desenhar de joelhos, com os braços em cima da cama quando era pequenita e mais tarde numa mesa de escola. Os joelhos agradeceram. Cresci com banda desenhada e criei o fanzine “durtykat” em 2001. Viajei quase à pala e fui colaborando e comunicando através de desenhos, nascendo assim as Nits, em 2014. Voltei a desenhar de joelhos mas eles não se têm queixado. A última exposição foi na Galeria Mundo Fantasma, no Porto, no ano de 2019.