AmadoraBD 2022: Um passeio pelas Exposições

AmadoraBD 2022: Um passeio pelas Exposições

As minhas exposições favoritas no Amadora BD 2022

É sempre um prazer visitar o Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora.

Entre sessões de autógrafos, palestras, compras e convívio, o tempo é sempre bem passado.

E, para além disso, há as exposições!

Exposições que este ano, quanto a mim, são particularmente cuidadas e ecléticas. Duas delas até comemoram aniversários especiais: os 60 anos do Homem-Aranha e os 45 anos de Thorgal.

Sem mais demoras, vamos às minhas favoritas!

60 Anos do Homem-Aranha

Um jovem estudante adolescente, meio rato de biblioteca, meio nerd, meio míope. Uma visita de estudo do liceu a um laboratório. Uma experiência em curso. Uma aranha radioactiva. Uma picada…

Foi há 60 anos que Peter Parker trepou pelas paredes pela primeira vez. Foi há 60 anos que a frase “Com grande poder vem grande responsabilidade” ecoou insólita, como um Big Bang, no universo Marvel que se estava a criar (embora fosse utilizada desde o século XVIII).

Foi há 60 anos que a mente criativa de Stan Lee e o lápis genial de Steve Ditko deram vida a um super-herói absolutamente original para a época. Um mero adolescente, cheio de problemas existenciais, vítima de bullying e que, de um momento para o outro se vê capaz de subir paredes, tem uma força e agilidade descomunais e ainda é detentor de um apurado sentido de perigo.

Foi em Agosto de 1962 no comic book Amazing Fantasy n.º 15.

Agora, tendo como comissário Mário Freitas, o Homem-Aranha chega ao 33.º Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora numa exposição onde só nos podemos sentir privilegiados por termos acesso a pranchas originais que já fazem parte da história da 9.ª Arte.

Do lendário Steve Ditko…

…ao não menos famoso John Romita Sr. (com esboços de capas e pranchas arte-finalizadas).

É uma exposição generosa em termos artísticos, na qual se pode ainda encontrar a arte de Todd McFarlane…

…Marc Bagley…

…ou Bob McLeod que, inclusive, esteve presente no Amadora BD.

Para além destes e de outros, não faltam também os autores nacionais que já trabalharam com o famoso “lançador de teias”, como André Lima Araújo…

…e Jorge Coelho.

Uma boa selecção de autores e de arte, tudo envolvido por esboços que decoram as paredes e que parecem desafiar-nos a descobrir os nossos desenhadores favoritos.


45 ANOS DE THORGAL

Uma saga epopeica viquingue que surgiu antes da moda dos viquingues, tão em voga nos últimos anos.

Criada em 1977 pelo escritor belga Jean Van Hamme e pelo artista gráfico polaco Grzegorz Rosinski, a série Thorgal viu a luz do dia na revista belga Tintin e conheceu glória imediata. Continua hoje a ser uma das séries de maior sucesso da criação franco-belga.

Thorgal começa como um bebé resgatado das gélidas ondas do mar do norte por viquingues. Órfão, estranho à tribo, a sua vida não é das mais fáceis, sobretudo depois de se apaixonar por Aaricia, filha do rei.

Ao longo de 29 álbuns, as aventuras de Thorgal são-nos contadas por Van Hamme, estando a arte a cargo de Rosinski até ao n.º 36.

Uma das características que torna a série única é o facto dos personagens irem envelhecendo, pelo que, actualmente, Jolan, o filho mais velho de Thorgal é já um adolescente.

Entretanto, desde o álbum 37, a equipa criativa da série é composta pelo argumentista Yann e pelo desenhador Fred Vignaux (que brindou com a sua presença o Amadora BD 2022). Vignaux entrou no universo de Thorgal através da série spin-off Kriss de Valnor – uma de três que constituem as subséries de Les Mondes de Thorgal – e com a qual se abre a exposição comemorativa do herói viquingue.

Esta exposição, que tem como comissária a experiente Maria José Pereira, tem dois temas principais. O imediatamente mais visível é o que nos mostra os três últimos volumes de Thorgal através da arte de Fred Vignaux. O outro tema, não menos importante é o que está representado nas vitrinas e nos convida a conhecer as diferentes publicações de Thorgal em Portugal, quer em revistas quer em álbuns.

A mostra do trabalho de Vignaux é feita cronologicamente, começando por isso com a arte original da capa alternativa de O Ermita de Skellingar

…seguindo-se várias pranchas nas quais podemos apreciar o traço do autor já passado a tinta.

De igual modo, são-nos apresentados os álbuns A Selkie, que acabou de ser lançado no Amadora BD 2022 por A Seita, a actual editora portuguesa de Thorgal

…e o álbum Neokóra que, penso, terá edição portuguesa para breve.

Para além disso, temos vários esboços e estudos de personagens.

Como acima se disse, elemento importante da exposição é a mostra das revistas portuguesas nas quais Thorgal foi sendo publicado, como Tintin, Mundo de Aventuras ou Selecções BD

…bem como as várias edições em álbum e as diferentes editoras nacionais que lhe dedicaram atenção, como a Futura, a Asa e A Seita.

Por fim, breves palavras para a cuidada cenografia que cria o ambiente e nos mergulha no mundo viquingue, com os seus estandartes e uma plataforma que nos faz sentir embarcados num Drakkar. A não perder!


Armazém Central

Anos 20 do século XX. Notre-Dame-des-Lacs é uma pequena paróquia rural perdida no Quebeque profundo. O dono do único estabelecimento comercial existente num raio de muitos quilómetros morre subitamente. Cabe à sua viúva, Marie, continuar o negócio, até porque é este Armazém Central que dá vida a toda a comunidade. Uma comunidade onde parece não se passar nada e a vida corre simples e banal… aparentemente.

Obra extraordinária, superior, de uma incrível humanidade, originalmente publicada em 9 volumes, é editada em Portugal pela Arte de Autor que também faz o comissariado desta exposição com grande imaginação, como se verá adiante.

Os autores Jean-Louis Tripp e Régis Loisel, ambos argumentistas e desenhadores da série, visitaram o Amadora BD 2022 e tiveram uma recepção muito calorosa por parte do público português. Logo à entrada da exposição, somos brindados por dois personagens omnipresentes em toda a série, embora com uma participação que parece ser secundária, mas que na verdade nos vai criando estados de espírito – um pato e um cachorrinho.

Aliás, a exposição, para além da magnífica arte que exibe, vive muito de pormenores, verdadeiras piscadelas de olhos para aqueles que já leram a série.

A nível artístico, só podemos maravilhar-nos com a arte simbiótica de Loisel e Tripp, começando desde logo com o detalhado desenho da paróquia que servirá como folhas de guarda a todos os álbuns da série.

Para além de variadíssimas e detalhadas pranchas, temos também o processo evolutivo de uma capa (neste caso de Marie, o primeiro álbum)…

…ou o de uma simples vinheta, nos quais são visíveis o primeiro trabalho de Loisel e a finalização de Tripp, num verdadeiro trabalho de coautoria criativa.

O mesmo trabalho a quatro mãos está bem patente no suposto álbum de fotografias, aqui apresentado com muita elegância.

Por fim, aparentemente escondido do visitante da exposição, temos uma feliz e cuidadosa recriação do próprio Armazém Central, limitado pelo espaço, claro está, e com um sabor muito português do período de “entre guerras”. Um momento cenográfico muito bem conseguido para fecharmos esta exposição com o sabor dos produtos dos nossos bisavós ou avós.


Os Portugueses

Obra de Olivier Afonso (história) e de Chico (desenho), Os/Les Portugais conta a história de Mário que dá o “salto” para França escondido na mala de um carro. O objectivo é o de sempre: a procura de uma vida melhor. Mas o modo de o fazer é bem diferente dos modos que os nossos imigrantes empregam agora. Então fugia-se à ditadura de Salazar, às guerras ultramarinas e à miséria extrema.

Neste contexto, Mário acaba por conhecer Nel, outro português com quem viverá as aventuras da diáspora, num tom de resiliência, coragem e esperança, pondo de parte o miserabilismo que os envolve e mantendo um espírito patriota e divertido.

Esta exposição, comissariada pela Ala dos Livros (a editora da obra), para além de exibir a arte dos autores, conta-nos a história, resumidamente, de um modo muito original. Mas vamos primeiro à arte.

Entre a evolução das pranchas…

…do preto à cor…

…e de pranchas concluídas…

…são muitos os bons exemplos da arte de Chico que lembra um pouco o traço de Manu Larcenet.

Para além das pranchas, a exposição apresenta uma cenografia muito interessante. Utilizando as “famosas” malas de cartão (onde os imigrantes desfavorecidos levavam os seus parcos bens), resume-se a história de Os/Les Portugais através de quatro momentos-chave.

A passagem da fronteira “a salto”…

…as “bidonville” ou bairros da lata, onde ficava a maior parte dos portugueses em França, nomeadamente, nos arrabaldes de Paris…

…o trabalho duro nas obras, sobretudo como pedreiros…

…e o momento em que a esperança deu lugar à mudança com a Revolução dos Cravos.

Apesar de tudo, quase sempre com a Torre Eiffel bem lá longe.


O Infeliz Pacto de George Walden

Não tendo ainda este livro na minha biblioteca, nem por isso deixei de me deslumbrar por esta exposição.

O Infeliz Pacto de George Walden foi lançado durante o Amadora BD 2022 pela A Seita. Com argumento de André F. Morgado e desenhos do brasileiro Rodolfo Oliveira, conta a história de um homem banal, sem imaginação ou criatividade e que resolve fazer um pacto com o Diabo que o transforma num “invulgar vendedor de ideias”.

Comissariada por João Miguel Lameiras e André F. Morgado que, num espaço exíguo, conseguiram criar uma cenografia que mais leva à interacção do público, nomeadamente aos alunos das várias escolas que visitam o Festival de BD da Amadora. Um chão relvado, dois bancos de jardim e uma árvore criam o ambiente necessário à contemplação da arte, ao descanso e à conversa.

E preso a um dos bancos, lá está um exemplar da obra para quem quiser folhear.

Mas o principal da exposição, para quem se interessa verdadeiramente por Banda Desenhada é, claro está, a arte de Rodolfo Oliveira.

Com uma boa selecção, podemos ver pranchas individuais; o processo da passagem do traço a preto à cor e a junção dos dois…

…e do traço directamente para a cor.

Pelo que me foi dado a ver, este é um livro que não quero perder!


Balada para Sophie

Esta é a minha última exposição de destaque do Amadora BD 2022, embora seja logo a primeira para quem entra no recinto. E justamente!

Tendo como comissário João Miguel Lameiras, é uma exposição requintada, com um grande cuidado cenográfico e com uma amostra de arte a todos os níveis excepcional.

Balada para Sophie, publicada pela Companhia das Letras, é a opus máxima (até ver) do português Filipe Melo (argumento [e música]) e do argentino Juan Cavia (desenho). Vencedora de três Prémios Bandas Desenhadas em 2020 e um prémio no Amadora BD 2021, foi ainda indicada para 4 Prémios Eisner (EUA), incluindo o de melhor argumentista e melhor desenhador.

Na exposição, temos a sorte de presenciar o processo criativo de uma prancha, desde o argumento, à pesquisa iconográfica, à divisão da prancha em vinhetas e ao desenho a traço.

Mas também a passagem do traço à cor.

Pelo meio, deixem-se encantar por numerosas pranchas com a arte de Juan Cavia nas suas várias etapas.

E deixem-se encantar também pela cuidada cenografia desta exposição que consegue criar no visitante um estado de conforto, de paz e de nostalgia, num ambiente requintado e acolhedor.

Em lugar de destaque, um piano (vertical), elemento essencial na história, parece tomar conta de toda a exposição.

Lamento apenas não ter ouvido ao vivo Filipe Melo a tocar a lindíssima peça Balada para Sophie. Seria a banda sonora perfeita para começar ou terminar a visita à área de exposições do Amadora BD 2022.

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