Tomás Ribeiro: “O bloqueio artístico está sempre presente”

Tomás Ribeiro: “O bloqueio artístico está sempre presente”

Uma entrevista a Tomás Ribeiro sobre Artblock e os próximos projetos.

Nuno Pereira de Sousa: A banda desenhada Artblock, o 39.º número de Mesinha de Cabeceira (Chili Com Carne, 2023), foi criada no âmbito de um estágio profissional. Conta-nos como tal sucedeu.
Tomás Ribeiro: O meu estágio profissional correu bem. Adorei conhecer o Marcos Farrajota e o trabalho ao qual a Chili Com Carne se dedica. Cruzei-me com estas pessoas numa fase da minha vida profissional em que me via inundado de referências e coisas que já foram feitas por outras pessoas e agradeço imenso ao Marcos por me ter pegado e sacudido deste pó existencial (risos). Este tempo que passei aqui foi incrivelmente produtivo e acima de tudo educativo. O Marcos sempre me desafiou e puxou imenso por mim, forçou-me a sair da minha zona de conforto e a partir pedra… O Artblock só surgiu depois de partir muita pedra – ironicamente – e fico incrivelmente grato por isso. Foi uma experiência que não conseguiria descrever fazendo-lhe justiça. Fico só entusiasmado pelo futuro com cada vez mais pessoas que me apoiam e me dão vontade de fazer mais, mais, mais…

NPS: Que experiências já tinhas tido enquanto autor de banda desenhada?
TR: Que experiência tenho como autor? Bem… Desde muito novo que me envolvo com estas coisas. Sempre adorei desenhar, é uma coisa que corre na família. Em 2014, cruzei-me com um monte de putos ranhosos como eu, que me puxaram para querer fazer este tipo de trabalho. Estou constantemente a evoluir e a refinar o tipo de trabalho que quero fazer, e tenho feito muitos testes nesta última década. Brincadeiras, exercícios de ginástica conceptual… Coisas boas, coisas más… Mas sempre dentro desta ideia que qualquer coisa serve para aprender a fazer melhor depois. A Artblock foi, essencialmente, uma expressão de frustração. A frustração que vem da ideia de estar parado; não fazer nada necessariamente útil… A maioria das vezes ficamos com coisas entaladas por não achar que estamos prontos para realizar um projeto. Às vezes, surge só uma coisa que vale a pena dizer e, mesmo que seja pequena ou “inútil”, contribui para esta experiência que só surge após tropeçar muitas vezes.

NPS: Porque escolheste a temática do bloqueio artístico?
TR: Tenho muita dificuldade em focar-me. Sempre tive a tendência para complicar processos – criativos ou não – e, geralmente, meto os pés pelas mãos e atrapalho-me. É um processo místico que a maior parte das pessoas não compreende ou não aceita como justificação. Esta temática não é uma coisa nova ou estranha para a maior parte das pessoas que trabalham nestes ramos criativos, mas acho que é daquelas coisas deliciosamente intangíveis que é única para toda a gente, como a expressão mais inconveniente da autopreservação face à incerteza. Quando me decidi a trabalhar este tema, naturalmente, foi após decidir explorar 50 temas diferentes e cruzar-me com esta coisinha intangível que me bloqueou mas que nunca consegui explicar. No final, continuo a achar que não me consegui explicar completamente, mas é essa a natureza do bloqueio, não é?

NPS: A língua inglesa circunda-nos no nosso quotidiano. Acreditas que tal facilita explorar conceitos para além da nossa língua, como fizeste nesta obra quanto à palavra “block” ser tanto bloqueio como bloco?
TR: Ah, sim! Completamente! A palavra “block” é incrivelmente versátil e isso contribui para a natureza transformativa da coisa em si, não? Escolhi focar-me na forma do cubo/bloco porque é uma forma reconhecível. Sabemos como é, como pesa, como se percorre com as mãos e isso desmistifica a presença desta coisa no leitor. Se calhar consigo sentir esta forma no meu estômago ou o seu peso nas minhas costas ou a sua presença no meu caminho, se tropeço nela ou não… Acho que o facto da expressão Artblock conter a palavra “block” na sua construção não é uma coincidência mas uma ilustração em si.

NPS: Desde o formato da própria publicação à banda desenhada no seu interior, o bloco cúbico é omnipresente. Conta-nos como exploraste esse conceito.
TR: O bloco é omnipresente porque tudo o que é ilustrado nesta expressão roda à volta dele. A sua presença, a sua ausência… Enfim, é uma parte de nós que sentimos sempre que está ali, mesmo quando não está! É o objeto no qual nos resolvemos a focar, por isso, naturalmente, é o foco.

NPS: Nalgumas pranchas, fiquei com a impressão que te inspiraste nos gráficos isométricos dos videojogos dos anos 80. Foram uma referência?
TR: Foram uma das referências, talvez, em que subconscientemente me baseei. Durante o estágio na Chili Com Carne, foram-me sempre rodadas coisas novas. Autores como o Chris Ware ou como o Junji Ito, por exemplo, entre outros que conhecia e desconhecia, mas também coisas mais comuns como experiências e paranoias que se vão tendo no dia-a-dia. Tudo pode ser torcido para ilustrar algo maior. É como um kit-bashing de ideias e referências, essencialmente.

NPS: As linhas limpas e bem definidas dos blocos, a certa altura, dão lugar ao caos das assustadoras linhas geradas por tudo aquilo que derrete. Que paralelo fazes entre tal e o bloqueio artístico?
TR: O processo de estar bloqueado também evolui. Começa como uma incerteza que escava no fundo da cabeça e, mais tarde ou mais cedo, eventualmente evolui para uma coisa mais assustadora. A ansiedade faz isso. Incapacita e petrifica uma pessoa… E assusta. Assusta, mesmo! Torna-se no maior e mais presente medo que se pode sofrer e, gradualmente, vai substituindo a capacidade de trabalhar e produzir. Foquei-me particularmente na dismorfia e no derretimento das formas porque a minha associação automática é com o calor e o peso, que cansa e torna desconfortável o existir neste momento. Só queremos que passe e que se resolva mas não há grande coisa que possamos fazer até passar sozinho.

NPS: Para além de lerem a tua BD, que dicas dás a quem tenha um bloqueio artístico?
TR: O melhor conselho que posso dar é simples. A única expectativa que temos pelo trabalho que fazemos é auto-imposta. Só sabemos se temos algo para dizer até dizermos alguma coisa. A mensagem pode ser boa, pode ser má, mas isso tudo é segundo plano. O retorno parte do risco e o risco parte da vontade e, acima de tudo, esperar que a incerteza desapareça é um tiro no escuro. Ela está sempre lá… Eu sei que está!

NPS: Em 2023, vamos ver outras bandas desenhadas tuas publicadas?
TR: Vou manter o otimismo. Quero estar sempre a produzir e a publicar coisas novas e, com a presença e a companhia da associação Chili Com Carne, tenho canal para ter mais projetos a flutuar por aí em 2023. Quero me focar em colaborar com outros artistas para ver até onde é que a corda estica. Quero conhecer os meus limites e as minhas mais-valias. Esperemos que os astros se alinhem para continuar a bloquear-me e a atrapalhar-me e a tropeçar em coisas interessantes para dizer.

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