Margarida Madeira: “Contar histórias é um exercício de partilha”

Margarida Madeira: “Contar histórias é um exercício de partilha”

Uma entrevista a Margarida Madeira sobre os seus projetos mais recentes.

Nuno Pereira de Sousa: Formaste-te na área da animação, tendo vir a trabalhar não só na animação mas na ilustração. Entretanto, com 7 Senhoras, enveredaste pela banda desenhada. Porque escolheste este meio para este projeto em concreto?
Margarida Madeira: Comecei a trabalhar em animação – com a minha própria produtora – há exatamente 10 anos. Quando comecei, fi-lo porque tive a sorte de conseguir um apoio do Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA) para o projeto que estava a desenvolver. Mas a minha abordagem, talvez por ter pouca experiência, era sempre começar e acabar os projetos o mais rapidamente possível para passar ao próximo. Consegui fazer isso algumas vezes consecutivas mas com o passar do tempo, não só se tornou mais difícil conseguir apoio do ICA (o que por um lado é um bom sinal) como percebi que os projetos precisavam de amadurecer e só ganhavam com essa passagem do tempo. Ora este projeto, o 7 Senhoras, surgiu durante a pandemia, numa época em que estava a escrever o guião para o meu mais recente projeto de animação. Como já estava a ser um processo longo – cerca de 2 anos – senti necessidade de encontrar uma forma mais rápida de expressar algumas ideias. A banda desenhada apareceu como solução numa das muitas vezes que refiz o storyboard deste projeto que estava a falar. Ocorreu-me que têm algumas semelhanças e foi aí que pensei, porque não experimentar?

NPS: Que grandes diferenças encontraste entre trabalhar em animação e em banda desenhada?
MM: A duração do processo. Animação tem um passo a mais, animar (risos). E essa fase supõe uma maior quantidade de recursos. O que senti na banda desenhada foi que posso me expressar e ficar satisfeita bem mais rapidamente. Claro que, na animação, é sempre possível enveredar por uma versão low cost, sem ter de recorrer a apoios mas, como disse, é sempre mais uma fase no processo.

NPS: Em 7 Senhoras, revelas alguns detalhes da tua infância no interior do país, mais concretamente em Canas de Senhorim, no final dos anos 80, início dos anos 90. Certamente, mostra uma realidade, em certos pontos, muito díspar das principais cidades litorais. Quando te apercebeste destas diferenças regionais?
MM: Esta é uma pergunta difícil, mas acho que a resposta é que foi um processo gradual. Acho que desde sempre percebi que as coisas eram diferentes porque os meus pais sempre nos levaram a conhecer o país, fosse nas férias ou ao fim de semana. Talvez não tenha tido a consciência da profundidade das diferenças no imediato, mas sabia que era diferente. É engraçado porque foi só durante o processo da escrita deste livro que me dei conta de alguns detalhes e da importância que os mesmos tiveram na minha vida.

NPS: E como foi estudar Animação na cosmopolita Barcelona?
MM: Fui para Barcelona porque na altura a oferta em Animação em Portugal não era igual à de hoje. Já tinha ido de Erasmus, uns anos antes, e sabia que só me ia fazer bem abrir os horizontes. Em Barcelona, os meus colegas eram na sua maioria estrangeiros ou imigrantes, o que me ajudou a ter contato com outras culturas e a sair um pouco da minha bolha. Não querendo cair no cliché, mas caindo, não há nada como conhecer outras realidades para nos fazer perceber o quão pequeninos somos.

NPS: Dizes que, apesar de influenciada por figuras femininas como Barbies, pivots de televisão e meteorologia e membros de girlbands, não eram estas que te faziam pensar. Qual era, então, o seu papel?
MM: Acho que as via como modelos, de perfeição estética no caso das Barbies, de dicção e presença no caso das pivots de televisão e de atitude no caso das girlbands. Na altura, admirava-as mas sem me perguntar porquê. Com o tempo foram perdendo importância. Fizeram parte de uma certa fase, da qual me lembro de me cansar e passar à frente. No caso das Barbies, resolvi um dia dá-las todas a uma instituição. Por acaso, no outro dia encontrei uma sobrevivente, mas esteve esquecida durante anos.

NPS: Na tua banda desenhada, escolheste 7 figuras femininas com histórias muito distintas, as tais que te fizeram pensar. Em traços gerais, como pensas que te ajudaram a formar enquanto mulher?
MM: Penso que, quando aconteceram, estes episódios foram insignificantes aos meus olhos. Talvez possa fazer uma exceção à Inês, a minha amiga da escola. Ao escrevê-los, apercebi-me que foi a conviver com estas senhoras que, pela primeira vez, me tinha cruzado com determinados conceitos como a morte, o divórcio, a monoparentalidade, a violência doméstica, a prostituição, a iliteracia e a desigualdade de género. Sem me aperceber, e ao conhecer bem estas senhoras, aprendi que a vida não é como as histórias que inventava para as Barbies ou as dos filmes da Disney e isso, no fundo, acho que me deu uma sensibilidade sem a qual não seria certamente a mesma pessoa que sou hoje.

NPS: Uma das temáticas que 7 Senhoras permite explorar é a evolução do papel da mulher na sociedade. Como encaras esta questão?
MM: Na verdade, encaro a evolução do papel na mulher na sociedade com otimismo. Sei que ainda há muito trabalho por fazer mas não é preciso recuar muito para perceber como mudaram as coisas nos últimos anos, em Portugal. As minhas oportunidades foram diferentes das da minha avó ou bisavó. No entanto, sei que isso não é transversal a toda a sociedade portuguesa. Viver fora do país, em países como o México e a Colômbia, fez-me ter mais a noção do quão graves as coisas ainda podem ser. Se há um Dia da Mulher, é para que ninguém se esqueça de todas as senhoras que ainda não conseguem estudar, recebem salários diferentes e vivem situações de perigo só por serem mulheres.

NPS: Tens várias curtas-metragens de animação premiadas e selecionadas para festivais internacionais de cinema. Este reconhecimento cria realmente oportunidades no mercado laboral?
MM: Se me fosse feita essa pergunta há alguns anos atrás, acho que ia responder que sim, só por querer acreditar muito. Mas na realidade acho que a Animação em Portugal ainda não tem esse peso numa esfera para além da do Cinema.

NPS: “Ice Merchants” de João Gonzalez tem batido todos os recordes nacionais no que toca ao cinema de animação no nosso país. É necessário uma curta-metragem estar associada a uma marca como os Óscares para despertar o interesse do grande público?
MM: Infelizmente, acho que sim. Foi incrível a quantidade de pessoas sem ligação à animação que partilharam a notícia comigo. Nunca ouvi tantas vezes o nome de um realizador de animação na rádio e na televisão. Foi um feito enorme, mas acho que ainda prevalece muito a ideia de que o cinema de animação é para crianças e que é um parente menor do cinema. A animação é só uma técnica.

NPS: Em 2021, ilustraste o livro infantil A Zebra das Bolinhas, escrito por Helena Perim e Ana Paula Catarino. É uma área que desejas continuar a explorar?
MM: Na verdade, não me emociona muito a ideia de trabalhar para um público exclusivamente infantil. Não é só numa tentativa de contrariar esta forma de pensar – de que a animação e a banda desenhada são só para crianças. Acho é que é importante explorar esta ideia que, consoante a idade, vamos percebendo as coisas de diferentes formas. Isso dá outra profundidade aos projetos, confere-lhe outras camadas que, ao trabalhar para uma faixa etária específica, estaríamos a limitar. Eu adorava o filme Forrest Gump, vi-o vezes sem conta quando era criança, embora não seja um filme para crianças. Lembro-me que só muitos anos depois, já adolescente, ou talvez adulta, percebi muitas das pequenas referências que o filme tem – só para citar uma: a invenção do smile 🙂

NPS: Fala-nos dos projetos em que te encontras a trabalhar atualmente na área da animação, ilustração e banda desenhada.
MM: Estou a trabalhar numa curta-metragem de animação. Contamos iniciar a produção no segundo semestre deste ano e já temos um apoio do ICA para o fazer. Chama-se Pelo na Venta e é um projeto sobre mulheres, mais propriamente sobre mim, a minha avó e a minha tetravó. A minha tetravó usava bigode e barba, no final do século XIX e o seu retrato desapareceu, um dia, da parede de casa dos meus avós. O filme é sobre esta ligação intergeracional e, mais uma vez, sobre a evolução – ou não – do papel feminino na sociedade. Em relação à banda desenhada, já tenho algumas ideias para um próximo projeto, mas ainda não me decidi a passá-las para o papel.

NPS: Como descreves o fascínio que tens por contar histórias?
MM: Descrevo-o como natural, não como uma coisa que adquiri sozinha mas que me foi passada. E acho que gostar de contar histórias também significa que as gostamos de ouvir. É um exercício de partilha.

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