Uma entrevista a Paulo J Mendes sobre os seus projetos e colaborações mais recentes.
Nuno Pereira de Sousa: Paulo J Mendes, és o autor da 43.ª prancha de Um Comic Jam com o Lino. Como foi participar nesta experiência antológica?
Paulo J Mendes: Ainda que de forma muito breve, tive o prazer de conhecer o Lino há muitos anos, nos tempos gloriosos do Salão Internacional de BD do Porto. Recordo uma pessoa de enorme amabilidade, interessada, generosa e conhecedora, e com grande sentido de humor, algo mais tarde comprovado pela forma entusiástica como acolhia os exemplares do Düdü – o destrambelhado fanzine que eu então fazia com dois amigos – e que lhe enviava sempre. Assim, participar nesta experiência não podia ser senão a melhor forma de evocar alguém que, por tudo o que acima foi dito, me deixou um belo punhado de boas memórias.
Nuno Pereira de Sousa: Na tua opinião, quais são as maiores vantagens e desvantagens da técnica cadavre exquis em geral?
Paulo J Mendes: A vantagem, pelo menos neste caso, é o divertimento, a profusão de estilos, derivações narrativas e o que de deliciosamente avariado daí resulta. Como não é algo para levar demasiado a sério, só se fosse muito sisudo encontraria desvantagens neste processo.
NPS: E com que te debateste em concreto na produção da 43.ª prancha?
PJM: Em desatar o “nó” que o Daniel Maia me deixou em mãos, dar a volta ao texto e encaixar a sequência algo extensa no que toca a vinhetas que idealizei no formato proposto.
NPS: O ano passado, lançaste o livro Elviro. Como foi o feedback?
PJM: Daquilo que tenho ouvido e lido, tem sido bastante bom até ao momento.
NPS: Na entrevista que nos concedeste em 2020, dizias que o humor de Elviro seria menos consensual que o de O Penteador. E no texto introdutório do volume tiveste o cuidado de afirmar que neste teu segundo livro evocavas as comédias dos anos 60 e 70 do século passado. Estavas menos confiante de que o leitor se interessaria pelo humor de Elviro? De que forma o distingues do humor em O Penteador?
PJM: O Penteador nasceu de um fôlego só, foi muito espontâneo e desprendido, era um simples exercício após trinta anos sem ter feito nada e que nem imaginava se algum dia o iria publicar. É o tipo de coisa que não acontece duas vezes. No Elviro foi tudo mais pensado, até o humor, que tentei ligar às comédias da época referida, sobretudo através do registo de malandrice voyeurista associado à nudez na praia. Há também outros tipos de humor, incluindo aquele que será o menos consensual mas ao qual nunca consigo resistir, que é o que envolve fluidos corporais indesejáveis. Era sobretudo nesse que estava a pensar quando escrevi o que escrevi.
NPS: A imagem que publicámos há cerca de 3 anos a ilustrar a tua entrevista como uma antevisão de Elviro é muito próxima da da contracapa da obra. Os personagens Bícharo e Ataílde já eram perfeitamente reconhecíveis, ao passo que o Elviro um pouco menos. Que personagens te deram mais trabalho a definir?
PJM: Em termos de desenho foi a jovem doceira Jaclina, por ter sido inspirada numa obscura atriz secundária de um estranho filme de “nudie-cuties” dos anos 60 e cuja figura me agradou, parecendo desde logo encaixar na personagem apesar dos meus malogrados esforços para conseguir um mínimo de parecença.
NPS: Em Elviro houve uma passagem para um trabalho a cor – e certamente mudança do papel usado devido às queixas anteriores (risos). Que materiais utilizaste para elaborar a obra?
PJM: Para o desenho utilizei uns marcadores da Faber ultrafinos à base de tinta da China, acompanhados pela inevitável caneta Uni-Ball para as manchas a negro, e aguarela para as cores. O papel escolhido foi o Bristol. Estava receoso quanto ao comportamento da aguarela neste suporte totalmente novo para mim, mas a verdade é que me dei muito bem.
NPS: Tal como nos elétricos de O Penteador, tornaste a não utilizar como referência os transportes públicos portuenses da tua infância, optando por modelos de outras regiões e países. A que se deveu tal?
PJM: Tenho um fascínio visual por pequenas redes de elétricos rurais, remotas e desconchavadas, com material circulante no limiar do utilizável, e no contexto nacional nenhuma das que existiram encaixava naquilo que tinha em mente. Fui buscar ideias à Espanha e ao Brasil, onde esse material abundou e preenche o meu imaginário.
NPS: Fiquei com a sensação que esta obra era mais densa que O Penteador, com mais conteúdo informativo. Acreditas que o aficionado dos anos 90 pela ferrovia se sobrepôs ao autor de BD ou era realmente importante para caracterizar o Elviro e apercebermo-nos da reação dos não aficionados, como Ataílde, às catadupas de informação?
PJM: Eu próprio fui um aficionado “praticante” na década de 90, embora de forma bem mais diletante e efémera do que muitos dos que conheci, mas o espírito e as experiências que vivenciei eram algo que já vinha pensando em transpor para uma história. Nesse sentido, era forçoso que ao autor da BD acrescesse algo do aficionado, o que é sobretudo notório na meia dúzia de pranchas mais descritivas sobre o historial dos elétricos logo no início da história, que achei importantes para criar um contexto e situar os leitores, mas que, numa reação quiçá semelhante à de Ataílde, não foram totalmente compreendidas por alguns destes.
NPS: A estrutura mais ou menos clássica da composição de páginas, nas quais a percentagem de texto ocupa um mancha extremamente significativa, é também uma forma consciente de evocar os anos 60 e 70?
PJM: Mais inconsciente do que consciente, é um pouco o resquício de muita da BD que li nos anos 70, estruturalmente mais rígida e clássica do que aquilo que fui vendo mais tarde, e que imprimiu fortes marcas na minha “educação bedéfila”. A verdade é que aprecio o formato e, sem prejuízo de um dia resolver abraçar registos diferentes, tem servido bem a minha forma de contar histórias.
NPS: Na última entrevista, resumiste o tema de O Penteador a uma única palavra, copofonia. Se resumisses o tema de Elviro a uma única palavra qual seria?
PJM: Provavelmente, Elétricos… Porque é também uma homenagem aos elétricos e, por arrasto, aos aficionados cujos registos nos permitem hoje recordarmos como eram os nossos modos de viajar nessa época dourada.
NPS: O que podes revelar aos nossos leitores sobre a tua próxima obra?
PJM: Tenho dois projetos em simultâneo. O primeiro tem argumento de outra pessoa, um amigo que escreve muitíssimo bem. Como se passa em cenários reais, obriga a um cuidado e pesquisa visual que fazem com que avance um pouco mais devagar do que o segundo projeto, uma história minha que entretanto começou a crescer, e que se desenvolve um pouco na linha tortuosa dos trabalhos anteriores. Tanto um projeto como o outro estão ainda na fase de storyboard e têm ainda muita estrada pela frente.
Fundador e administrador do site, com formação em banda desenhada. Consultor editorial freelance e autor de livros e artigos em diferentes publicações.