Bernardo P Carvalho: “Tenho esta tendência natural em experimentar”

Bernardo P Carvalho: “Tenho esta tendência natural em experimentar”

mar negro

Entrevista a Bernardo P Carvalho a propósito do lançamento da BD Mar Negro, o 100.º livro do Planeta Tangerina.

Nuno Pereira de Sousa: Desvio foi a tua primeira banda desenhada em coautoria com a Ana Pessoa. Como é trabalhar com a Ana?
Bernardo P Carvalho: É fixe. A Ana é uma pessoa… Incrível, tipo génio. Muito fácil de comunicar, partilhar as ideias e as sensações que as páginas nos dão, aberta a mudanças, voltar a trás “e riscar isso tudo”. Tenho muita sorte em fazer livros a meias com ela.

Nuno Pereira de Sousa: Como evoluiu a divisão de trabalho na coautoria com a Ana entre Desvio e Mar Negro?
Bernardo P Carvalho: Não evoluiu muito, no sentido em que ela escreveu o texto primeiro nos dois livros. Acho que a Ana foi fazer um curso de argumento para cinema mesmo antes de se atirar ao Mar Negro e o resultado foi mesmo isso, um argumento super detalhado ao pormenor, com cenas de páginas e páginas com descrições do ambiente e ações, sem diálogos… Se tivesse desenhado tudo o que estava escrito, ainda estava a fazer o livro e devia ir na página 3247. Alguém devia agarrar neste argumento e fazer um filme.

Nuno Pereira de Sousa: Que paralelos encontras entre os protagonistas de Mar Negro e o Bernardo quando tinha a mesma idade?
Bernardo P Carvalho: Muitos. Eu podia ser o JP! Trabalhei num restaurante durante anos, mesmo junto à praia, e também gostava de uma colega do trabalho (risos). Agora a sério, o argumento era superdetalhado e muito familiar. Eu e a Ana, em alturas distintas, crescemos nestes subúrbios junto à praia, passámos a vida naquele comboio a ir e a vir de Lisboa sempre junto ao mar. Tudo muito familiar.

Desvio – Ana Pessoa & Bernardo P. Carvalho

NPS: Mar Negro foi produzido a uma cor, ao invés de Desvio. A principal razão de tal foi a economia de tempo? E como se chegou à combinação de azul sobre laranja?
BPC: Não sei bem responder porque, na verdade, eu quando começo a fazer desenhos perco imenso tempo a procurar uma linguagem visual para o livro, a experimentar versões da mesma passagem do argumento. Na altura, esta versão azul e laranja pareceu-me a melhor. Mas não ficou assim para poupar tempo, foi mesmo porque gosto assim.

NPS: A composição das páginas de Mar Negro revela-se mais experimental que em Desvio, com poucas vinhetas a poderem ser chamadas de verdadeiros “quadradinhos”. Foi um desafio? Quais as principais dificuldades que foi necessário superar?
BPC: Foi um bom desafio. A ordem de leitura foi mesmo o maior desafio… Mudámos muitas coisas, já depois de feito. Estávamos com um bocado de medo que o leitor achasse aquilo uma confusão e que se perdesse a fluidez natural da leitura. Seria mais fácil, sem dúvida, arrumar tudo em quadradinhos clássicos, mas acho que tenho esta tendência natural em experimentar outras maneiras de organizar e compor páginas. E dar tiros nos pés (risos). No Desvio fui um bocado tímido, demasiado clássico… Acho que senti demasiado o peso da responsabilidade de fazer uma banda desenhada.

mar negro
Mar Negro – Ana Pessoa & Bernardo P. Carvalho

NPS: Mar Negro é o centésimo livro do Planeta Tangerina, que cofundaste em 1999. Atendendo a que a atividade editorial se iniciou em 2004 e que a maioria dos livros editados são obras originais infantis e juvenis, qual o segredo para atingir tal número em 19 anos?
BPC: O Planeta [Tangerina], antes de ser uma editora, é um atelier de autores de escrita ilustração e design gráfico. Começámos a fazer livros porque gostávamos de livros e, incrivelmente, correu bem, muito graças aos nossos leitores que, como nós, gostam dos temas que abordamos e como os ilustramos. O nosso ritmo é lento. Editamos pouco mais que 5 livros por ano. Mas é fixe! Assim, saem melhor (risos). Mas o segredo é mesmo gostar de fazer livros, sentir aquela pica, agarrar um projeto novo, e depois ver o que as pessoas acham. É lindo!

NPS: O Planeta Tangerina publicou algumas obras de BD traduzidas, como Finalmente o Verão, das primas Tamaki, ou “A Época das Rosas” da Chloé Wary. Não sendo esta, claramente, uma das atividades principais da editora, qual o interesse deste tipo de lançamentos para o Planeta Tangerina? Está nos vossos planos prosseguir a edição de BD traduzida?
BPC: Está, sim. Queremos muito ter mais livros como esses, que nos tiraram do sério quando os vimos pela primeira vez. Mas não acontece todos os dias e, apesar de gostarmos de muita coisa, só queremos publicar mesmo aqueles que amamos.

A Bola Amarela – Bernardo P. Carvalho

NPS: Tens vários livros publicados em teu nome que podem ser considerados banda desenhada ou, para os mais conservadores, obras que diluem uma potencial barreira entre a BD e o livro ilustrado que não de BD, como é o caso de A Bola Amarela, Daqui Ninguém Passa, Depressa, Devagar, entre tantos outros. Como encaras o facto de raramente serem abordados pelo público e a crítica como banda desenhada?
BPC: Simmm!!! É mesmo verdade. Todos esses livros e outros que fiz – acho que todos – têm como background e principal inspiração os livros de BD. É por causa desses livros que desenho, livros que li e reli centenas de vezes. O pessoal é mesmo assim, arruma tudo em caixotes. Não tem quadradinhos? Então, não é BD. Um dos meus livros favoritos de sempre é uma BD que não tem quadradinhos.

NPS: A questão anterior aplica-se também a várias editoras que se dedicam à edição de obras infantis, sejam traduzidas ou originais, sem que façam um posicionamento dos produtos como obras de banda desenhada. Acreditas que a ausência desta referência se prende com o marketing achar mais apelativo o livro ilustrado que a banda desenhada?
BPC: Acho que sim. E também me irrita muito que a banda desenhada seja uma cena tão pouco procurada e, às vezes, associada a um nicho de cromos. Não tenho dúvidas que este 100.º livro vai ser dos menos vendidos do Planeta Tangerina, não só por ser uma BD, mas também porque, sinceramente, acho mesmo difícil fazer um bom livro de BD, ao nível do que me parece ser muito difícil fazer um bom filme. Mas pronto, ao menos tentamos. E sim, o pessoal do marketing tem uma visão particular sobre como e onde se devem arrumar os livros numa livraria baseado, suponho eu, em vendas e procura. Se as livrarias tivessem um canto escuro, era onde estariam todas as bandas desenhadas (risos).

NPS: O que podes revelar aos nossos leitores sobre as tuas próximas obras na banda desenhada e não só?
BPC: Fazer uma BD implica um investimento em tempo e dedicação muito maior que na maior parte dos outros livros que faço. Gostava de fazer mais algumas, mas tenho noção que não é muito bom negócio. O mercado de BD em Portugal é mínimo, apesar de haver autores incríveis que continuam a produzir livros muito bons, e, lá fora, existe um mercado cada vez maior mas muito difícil de penetrar, principalmente quando ainda tens tão poucos livros. Isto, trocado por miúdos, resulta em menos vendas, menos direitos de autor, menos dinheiro no bolso. Gostava de tentar fazer uma BD para miúdos pequeninos… Deixa ver.

NPS: E sobre os próximos 100 livros do Planeta Tangerina?
BPC: Vão ser todos espetaculares, bestsellers e vamos ficar ricos.

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