
Entrevista a Pepedelrey, a propósito do lançamento de Shedy.
Nuno Pereira de Sousa: A banda desenhada Shedy foi originalmente publicado em Itália pela Passenger Press na revista “Ultima Frontera” #2. Como surgiu esta oportunidade?
Pepedelrey: O editor da Passenger Press, Christian G. Marra, em 2017, contactou-me a perguntar se estava interessado em colaborar de novo com a editora, mas, desta vez, seria um trabalho 100% meu, ou seja, argumento e desenho da minha autoria. A legendagem e o design da paginação seriam da responsabilidade da editora. O número 2 da revista só foi publicado em 2018.
Nuno Pereira de Sousa: Houve feedback do público e crítica especializada em Itália?
Pepedelrey: Sim, houve algum feedback de leitores italianos e de alguns bloggers italianos. Algumas das reações foram interessantes. Recebi alguns – poucos – e-mails a comentar a coisa e, através disto, recebi um convite de outro editor para produzir uma BD inédita. A grande maioria dos trabalhos foram só desenho meu e argumento de outros autores italianos.
Nuno Pereira de Sousa: Esta BD lida com temas como o isolamento enquanto terapia, a inexistência do completo isolamento e as consequências da violência. Seis anos depois da elaboração desta BD, como encaras estes tópicos?
Pepedelrey: Como encaro estes assuntos? Em 2017, quando escrevi a estória Shedy, ainda estava a viver a ressaca de algumas das alterações que ocorreram na minha vida em 2012, o falecimento do meu filho, o que me levou a viver um ano e meio sobre efeito de drogas psiquiátricas. Uma das práticas que me teria sido receitada pelo psiquiatra passava por horas de isolamento na praia. O que, em certos momentos do ano, não será um local propriamente vazio para uma pessoa se isolar, mas mesmo essa contradição ensinou-me algumas jogadas possíveis para sobreviver. Bom, adiante! O isolamento enquanto terapia é algo que continuo a praticar com alguma regularidade. Ajuda-me a concentrar e a encontrar o equilíbrio que muitas vezes necessito. Equilíbrio esse que me ajuda a evitar conflitos com outras pessoas.
Nuno Pereira de Sousa: Quanto tempo demoraste a elaborar esta banda desenhada?
Pepedelrey: Entre a escrita do argumento em italiano, a revisão do argumento, o desenhar tudo em A3 a lápis, a arte-final e a pintura digital – cinzas-, demorou cerca de mês e meio.
Nuno Pereira de Sousa: E que materiais utilizaste, desde os esquissos à obra final?
Pepedelrey: O material que utilizo sempre – papel liso de 280 ou 300 gramas, lápis HB, pincel e canetas de aparo, tinta-da-china e, depois, foi digitalizar tudo e pintura em Photoshop. Nada de complicado.
Nuno Pereira de Sousa: Na introdução do livro editado pela Escorpião Azul, referes que, na revista, tinhas um limite de páginas, mas que, no livro, foi “necessário acrescentar mais quatro páginas”. Como autor, sentiste esta necessidade logo em 2018, quando elaboraste a BD, ou tal ocorreu mais tarde, após uma releitura? Foi mais uma questão do perfeccionismo do autor ou a própria história a exigir-te algo que não estava lá?
Pepedelrey: Na verdade, Shedy foi escrita em 2017 e, quando escrevi a estória, no original, existiam muitas pontas para se desenvolverem. Devido ao formato e ao número de páginas da revista “Ultima Frontera”, essas pontas foram deixadas, abandonadas. Não era possível, de facto, desenvolver todas as situações, todas as personagens. Nesta edição portuguesa da Escorpião Azul, necessitava de acrescentar mais umas páginas a fim de acertar o número de cadernos e que permitisse que o livro não fosse demasiado pequeno, fechado em 40 páginas de BD e mais 8 de material de enchimento. Uma dessas pontas originais e que era, de facto, muito importante para o desenvolvimento de algumas partes do texto, era a questão dos irmãos e o desaparecimento do irmão de Shedy. Na verdade, sinto que esta parte era fundamental para compreender melhor algumas das feridas do Shedy. Mas não vou desenvolver isto, aqui, senão estrago a leitura do livro.

Nuno Pereira de Sousa: Numa das tuas últimas viagens a Itália, estavas bastante animado quanto ao frenesim que se vive naquele país quanto à produção e publicação de BD. Sendo tu um dos mais prolíficos autores nacionais de BD, o que impede de existirem ainda mais trabalhos de Pepedelrey publicados em Itália?
Pepedelrey: Existem mais trabalhos meus publicados no mercado italiano e que foram produzidos diretamente para esse mercado. Aliás, na Passenger Press houve colaborações anteriores. Uma dessas bandas desenhadas tem argumento de Lloyd Kaufman, [cofundador do estúdio de cinema e realizador de muitos dos filmes da] Troma Entertainment, e de Travis Campbell. Essa BD foi publicada no número 2 da revista The Passenger, e, um aspeto curioso, é que na editora Passenger Press também foram publicados trabalhos do Jorge Coelho, do Ricardo Venâncio e do Rui Gamito. Um dos motivos porque decidi, finalmente, aceitar a proposta do Jorge Deodato e da Sharon Mendes em publicar a BD Shedy em Portugal prende-se com a necessidade de satisfazer o meu ego. É uma obra que tem um significado particular e especial e que não era conhecida do público português. Senti que, de facto, precisava de ver isto publicado por cá. Um dado para mim curioso é o facto de ter escrito inicialmente em italiano e, para a presente edição, tive que a reescrever em português, o que me obrigou a reformular alguns pensamentos e ideias que só faziam sentido em italiano. Praticamente, toda a minha produção que foi publicada e que será publicada no mercado italiano é desconhecida do público português. Qual o motivo? Basicamente, porque eu não me dou ao trabalho de divulgar e porque o público português é calão e se não lhe pusermos a papinha feita no prato à sua frente, ele não vai à procura de comida. Nem sabe se existe nem se gosta. O leitor português fica satisfeito com a comida habitual que lhe é colocada à frente e que lhe é confortável.
Nuno Pereira de Sousa: A tua editora El Pep dedica-se à publicação de livros físicos, maioritariamente de banda desenhada, mas não existem novidades editoriais físicas há alguns anos. Quais as razões desta inatividade?
Pepedelrey: É verdade que a El Pep está inerte há algum tempo e isso deve-se a um conjunto de factos que… Bom, já desenvolvo. Antes, deixa-me explicar-te o seguinte. A El Pep não desapareceu, só está sem atividade editorial. De resto, o seu catálogo continua distribuído pelo país – o contrato com a distribuidora ainda é efetivo – e, em breve, terá um novo reforço com uma provável parceria. A paragem editorial foi, de certa maneira, forçada por motivos pessoais que me levaram a encerrar a galeria/livraria e por uma forte desilusão relativa ao universo da BD em Portugal – os seus criadores, os seus editores e publicadores e, acima de tudo, o péssimo público consumidor, que se define mais como colecionador do que leitor e apreciador desta Arte. Claro que existem muitos “eu não sou assim” e muitos “mas eu…” mas a verdade é que a grande maioria é de uma fraqueza cultural assustadora, um gosto demasiado pueril e duvidoso. São, na sua grande maioria, leitores que julgam e criticam o trabalho de diversos autores só pelo prisma do gosto pessoal – fraco e de baixo nível – e que tudo o que não gostam é péssimo e não merecedor da sua atenção, do seu tempo precioso. Sejam eles mais clássicos, mais franco-belgas, norte-americanos, infantis ou artístico-intelectual, são demasiado fechados nos seus umbigos. Não é um comportamento fechado de um só grupo, mas transversal a todos. É a nossa identidade nacional típica. Não gosto, não presta.
Nuno Pereira de Sousa: Que perspetivas de negócio são possíveis no nosso país para as pequenas editoras de banda desenhada? E fazes distinção nas probabilidades de sucesso entre aquelas que se dedicam quase exclusivamente a obras traduzidas e as que se dedicam quase exclusivamente a obras originais nacionais, bem como aquelas que usam um modelo misto?
Pepedelrey: Perspetivas de negócio. Não sei responder a esta questão. Porquê? Porque cada pessoa que se aventure nesta coisa de publicar livros, sejam de BD, literatura, poesia, fotografia ou receitas culinárias, tem que definir inicialmente o que realmente pretende fazer e só depois terá que estabelecer as regras comerciais e económicas viáveis para esse negócio. Não sei responder melhor que isto. Sobre os modelos de negócio das editoras que se dedicam a publicações exclusivamente traduzidas ou das outras que tu referes, sinceramente não consigo responder. Porque não quero responder, só isso. O único aspeto relativo a essas editoras/publicadoras que consigo dizer-te é que fazem um excelente trabalho de alimentar o tal público mediano da BD em Portugal.
Nuno Pereira de Sousa: Os livros digitais são a solução que encontraste como solução para a tua prolífera produção sem consequente publicação em papel. Neste momento, já se encontram publicados 7 e-books sob a chancela Senhor Diniz, muitos diferentes quanto a temáticas e géneros narrativos. Descreves sumariamente cada um deles, de modo a apresentá-los a potenciais leitores?
Pepedelrey: Sim, de facto, as edições de livros digitais que tenho feito, tem sido uma boa resposta ao meu nervosismo. Ao ritmo que tenho produzido, nenhuma editora portuguesa consegue aguentar financeiramente. Nunca iriam gastar dinheiro nestas obras. Aliás, duas dessas obras foram recusadas por algumas editoras porque são economicamente… Qualquer coisa… Blá blá blá! Se analisar a questão a frio, nenhuma editora portuguesa conseguiria publicar dois livros meus por mês. Descrever os livros que já publiquei digitalmente… Certo, vou tentar! Em primeiro lugar, o Sartre Tinha Falta de Sexo E Se Kierkegaard Fosse da Margem Sul é uma compilação de tiras de humor e críticas sociais, religiosas e políticas, que inicialmente foram publicadas no site Bandas Desenhadas. O Notas de um Indigente é um pequeno livro, totalmente produzido com o telemóvel, e são piadas e pensamentos pessoais do meu dia-a-dia. O Blondes Eating Bananas é uma compilação de ilustrações e bandas desenhadas pornográficas que faço para a minha página de Instagram – ultimate_paxaxa – e nada aconselhável a quem odeia sexo e pornografia. O Hóstias – Babalu é o primeiro número de uma série que já vai no terceiro número, apesar de ainda não ter tido tempo de os acabar de paginar, e que são pequenas estórias sobre um Padre homofóbico, traficante de droga, violador e… Não posso contar mais. O Um Desenho por Dia Faz Mal ao Azedo Comum, infelizmente, também sofre da minha falta de tempo em continuar – reúne os desenhos que diariamente faço e publico no Facebook mas, volto a repetir, infelizmente, por falta de tempo em paginar, ficou só pelo mês de janeiro. O mês de fevereiro e março estão desenhados mas ainda não paginei. Depois, existem os números 1, 2 e 3 do magazine de ficção cientifica ESUEFU. Neste magazine, publico não só bandas desenhadas que estavam perdidas em gavetas como também novas obras de ficção cientifica. Para além destes, estão prontos mais cinco mas, por falta de tempo, atualmente, ainda não consegui publicar. A falta de tempo é devido a estar a trabalhar em três novas bandas desenhadas que exigem muita concentração.
Nuno Pereira de Sousa: Como tem corrido esta aposta nos e-books?
Pepedelrey: Financeiramente, a aposta tem sido um sucesso. As vendas são boas e o facto de não existir o peso da impressão e distribuição, alivia o preço final para o leitor. Não sei se esta solução editorial será um investimento positivo ou com futuro para a BD nacional, mas, pela experiência que tenho e os resultados que obtenho, acredito que a produção e venda de e-books é uma excelente solução para os autores divulgarem o seu trabalho diretamente ao leitor.
Nuno Pereira de Sousa: Os leitores interessados, como podem adquirir estes e-books?
Pepedelrey: É um processo muito básico. Enviam um pedido para o e-mail senhordiniz.books@gmail.com e o pagamento pode ser efetuado por transferência bancária, MB WAY ou PayPal. Depois do pagamento, será enviado um link para os e-mails dos leitores para descarregarem os ficheiros em pdf.
Nuno Pereira de Sousa: Um destes livros tinha tido várias tiras publicadas sob a forma de série no site Bandas Desenhadas. No seu formato de livro digital, Sartre Tinha Falta de Sexo E Se Kierkegaard Fosse da Margem Sul contém material inédito, que não está no site?
Pepedelrey: Sim, é verdade. Nem tudo foi publicado no site e ainda existem mais umas tiras que nem foram publicadas no livro digital. Estão em fila de espera para um futuro segundo volume.
NPS: Outra banda desenhada que tinhas publicado no site Bandas Desenhadas sob o formato de série foi Sem Hesitar, Com Calma, com direito a 3 capítulos. Os leitores ficaram a indagar-se se o final do capítulo 3 era realmente o final ou se a estória prossegue. Quer esclarecê-los?
P: Claro que esclareço. É verdade, essa BD não ficou concluída no terceiro capitulo. No número 2 do magazine ESUEFU publiquei esses três capítulos mais o quarto e no número 3 do ESUEFU estão publicados o quinto e sexto capítulo. Esta BD foi uma das que apresentei a editoras e foi recusada por motivos económicos.
NPS: O nome da chancela Senhor Diniz foi retirado da tua série de banda desenhada As Estórias do Cavalheiro Diniz, da qual chegaste a publicar 3 livros online. Pensas regressar a essa série ou é um projeto terminado?
P: Sim, o Senhor Diniz nasce daí. Terminado. Já não faz sentido nenhum voltar a esse projeto. Desse projeto, vou repescar duas bandas desenhadas que serão publicadas em livro digital pela Senhor Diniz. Uma delas – já terminada – foi publicada no antigo fanzine BANDAS da antiga Associação Jogo de Imagens, a qual deu origem, mais tarde, à editora Polvo, e tinha um formato muito engraçado. Muito pequeno, mas porreiro. Desse projeto, salvei também uma BD, Village de Flores, que está, neste momento, na fase final, e que gostaria de ver publicada em livro físico, apesar de ainda não ter nenhuma editora.
NPS: Foste um dos nomes incontornáveis do coletivo informal The Lisbon Studio, sendo um dos fundadores. Do que sentes mais falta no TLS?
P: Interessante pergunta. O que responder a isto? Sim, fui um dos fundadores do projeto. Do que sinto falta… Em primeiro lugar, sinto a falta de quem tristemente já faleceu. Muita falta. Em segundo, sinto a falta daquela energia inicial que tínhamos. Uma energia muito viciante e as colaborações e partilhas que tínhamos. A cumplicidade entre nós era excelente. O podermos ter alguém ao lado para partilhar ideias e trabalhos. A origem do estúdio foi uma resposta simples a uma necessidade que – utilizo uma expressão redutora, para facilitar a comunicação – o grupo original do estúdio tinha. E, durante os primeiros anos desse estúdio, essa necessidade foi, juntamente com a amizade, a cola que nos juntou num só espaço. A história desse estúdio demora tempo e ocupa muito espaço e esta entrevista não será propriamente o momento correto para a contar.
NPS: Tiveste mais do que uma galeria-livraria dedicada à banda desenhada e outras artes em diferentes localidades do país. A inexistência atual das mesmas parece ser um mau prenúncio deste tipo de atividade. Pela tua experiência, que julgas ser necessário para que esse tipo de iniciativa corra bem do ponto de vista económico?
P: Foram bons momentos. Cada um diferente do outro, mas muito bons. No início, inserido no projeto de renovação do abandonado e histórico espaço Imaviz – uma nova identidade com o nome «Imaviz Underground» e que ficou em 2.º lugar nuns prémios cujo nome não me recordo, logo atrás do «Museu Benfica – Cosme Damião.» Não foi a minha primeira abordagem a este tipo de espaço porque, em 2009 – não tenho a certeza do ano -, já tinha sido criado o espaço Chili – Chili Com Carne, El Pep, Thisco e Groovie Records – onde se cruzavam a BD, a música, a literatura, concertos, exposições diferentes, apresentações de livros, enfim, muitas atividades. No espaço do Imaviz, a El Pep tinha uma programação de exposições rotativas de duas semanas. No espaço na LX Factory, a lógica foi a mesma, mas investi mais em concertos dentro do espaço de exposições. Também se realizaram alguns workshops de brinquedos, de pintura e outros. No espaço em Santa Apolónia, houve a continuidade desses trabalhos e, inserido numa exposição de mostra de diferentes autores de BD da Malásia, Taiwan e outros países asiáticos, realizou-se uma cerimónia tradicional do chá com a presença de um Mestre francês residente em Taiwan. O último espaço que abri foi no Centro Comercial de Cedofeita, no Porto. Infelizmente, não foi uma boa experiência. E a partir daí, desisti. Pela minha experiência, percebi que para obter bons resultados económicos, não devemos ficar fechados num ou em dois tipos de atividade. Este tipo de espaço tem que apostar fortemente no cruzamento das diferentes atividades culturais, das diferentes linguagens.
NPS: Fala-nos dos projetos em que te encontras a trabalhar atualmente, incluindo os de banda desenhada.
P: Atualmente estou a responder a esta entrevista em modo acelerado, ao mesmo tempo que finalizo o novo livro A Noite em que Tu Morreste. Livro este que será publicado fisicamente pela El Pep e terá o seu lançamento no dia 29 de abril de 2023 no Festival Contacto. Se a gráfica não se atrasar… Em paralelo, estou a terminar a BD Village de Flores, a trabalhar ainda numa BD com argumento do, acredito eu, melhor argumentista de BD português, e a trabalhar em novas tiras do Sartre Tinha Falta de Sexo E Se Kierkegaard Fosse da Margem Sul e mais umas quantas ideias já em fase de argumento. Fora isto, não trabalho em mais nada. Vivo de BD, pela BD, para a BD e por causa da BD. Ou pela sua causa, sei lá! Ah, esquecia-me! Comecei, na semana passada, a esboçar uma BD porno xinga, passada numa época engraçada em Portugal.

Fundador e administrador do site, com formação em banda desenhada. Consultor editorial freelance e autor de livros e artigos em diferentes publicações.