Pedro Leitão: “O sucesso da coleção deve-se, em grande parte, à atividade de Animação à Leitura”

Pedro Leitão: “O sucesso da coleção deve-se, em grande parte, à atividade de Animação à Leitura”

pedro leitao aventuras de ze leitao e maria cavalinho 15

Entrevista a Pedro Leitão, a propósito de As Aventuras de Zé Leitão e Maria Cavalinho vol. 15: Os Sólidos Flutuantes Amarelo-Torrado.

Nuno Pereira de Sousa: As Aventuras de Zé Leitão e Maria Cavalinho tiveram origem numa banda desenhada muda de 40 páginas, que permanece inédita. Quão diferente é essa BD da versão de 18 páginas de A Viagem do Carro Encarnado publicada na revista Rua Sésamo e da versão do 1.º álbum da série, posteriormente editado pela Gailivro?
Pedro Leitão: A Viagem no Carro Encarnado foi feita entre janeiro e junho de 1994. Nesse semestre, fui monitor de oficinas de ilustração e banda desenhada em escolas secundárias de norte a sul do país. Em cada um desses meses, passei duas semanas fora e, para me entreter, nos quartos das pensões, em bancos de jardim, às mesas de cafés, etc., fui criando essa aventura com total liberdade, nunca pensando que seria para publicar. Sem qualquer planificação, fui fazendo sobre os esboços as artes-finais, com lápis de cor e marcadores, em folhas de papel de máquina. A espontaneidade da narrativa e expressividade do desenho e pintura são evidentes nesta história aos retangulozinhos (3 x 40). Uns anos mais tarde, quando já havia introduzido os diálogos na primeira versão, com o objetivo de publicação em livro, propus à Rua Sésamo a adaptação para ser publicada, mensalmente, durante noves meses. Penso que foi a única vez que a revista publicou uma banda desenhada em continuação. Utilizei a clássica estratégia de ir interrompendo a história em momentos de suspense. Das 120 vinhetas da versão original, algumas ficaram de fora e aparecem em cada prancha com uma disposição diferente. A traçagem, a marcador fino, é muito controlada e a cor, a aguarela ecoline, é muito plana. Em outubro de 2002, já com livros infantis publicados como ilustrador e, depois de muito procurar uma editora em Portugal, Inglaterra e Estados Unidos – a versão em inglês é da Jill Hichwa, americana que, por gostar muito de cavalos, me inspirou para criar a Maria Cavalinho -, consegui, finalmente, que o projeto fosse aceite. A versão final obedece à paginação original, exceto na primeira prancha – de três vinhetas passou a ter só duas, sendo a primeira bastante maior. Em cada vinheta, devido à introdução dos balões de fala, foi necessário fazer os respetivos ajustes. Os contornos dos desenhos, a pincel e tinta da china, foram traçados a partir da primeira versão, sendo muito fiéis ao original, mas com uma linha muito menos expressiva. A pintura, a guache, mesmo sendo próxima da paleta inicial, é também muito menos expressiva.

Nuno Pereira de Sousa: Fala-nos um pouco da experiência de trabalhar para a revista Rua Sésamo.
Pedro Leitão: O meu início na Rua Sésamo coincidiu com uma mudança de direção editorial. Tive a minha primeira reunião com três senhoras, que me deram a letra Q para fazer o poster central de duas páginas. Quando fui entregar a ilustração, fui recebido pelo o novo editor que, por precisar urgentemente de fechar esse número da revista, me pediu para fazer as 4 páginas que faltavam. Estreei-me com 6 páginas e, desde o número 87 ao número 130 – o fim da revista – publiquei todos os meses 2 ou 4 páginas. Foi muito gratificante e enriquecedor – recebia 40 contos por dupla página, com  ilustrações-jogo e bandas desenhadas de minha autoria – ou em conjunto com a Jill – e tinha o privilégio de ver a minha bonecada publicada na companhia de talentosos jovens ilustradores, alguns grandes amigos e ex-colegas da Escola Superior de Belas Artes de Lisboa [atual Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa].

Nuno Pereira de Sousa: Faz falta uma revista como a Rua Sésamo, atualmente?
Pedro Leitão: Sim, a Rua Sésamo faz falta, para novos ilustradores e escritores para a infância, como possibilidade de primeira publicação e, para as crianças, pais e educadores, como alternativa ao excesso do digital.

Nuno Pereira de Sousa: A tua série é uma das raras apostas editoriais na banda desenhada portuguesa destinada à infância, sendo a Gailivro a responsável por tal. Após 21 anos e 15 álbuns, que feedback tens tido por parte dos jovens leitores e seus educadores e professores?
Pedro Leitão: A alegria, o entusiasmo, o carinho, a generosidade, a honestidade e a espontaneidade das crianças são a composição da energia positiva que recebo dos meus jovens leitores, reforçado com o incentivo dos educadores do jardim de infância e professores do 1º ciclo que, elogiando o meu trabalho, o aproveitam para os alunos realizarem trabalhos lindíssimos – desenhos, pinturas, bandas desenhadas, teatros, músicas, poemas, prosas…

Nuno Pereira de Sousa: O que dirias ao Pedro Leitão de há 21 anos, altura em que o 1.º álbum era publicado?
Pedro Leitão: Agradecia-lhe por ter mantido a sua paixão de criança e pedia que agradecesse aos seus pais terem-lhe oferecido o seu primeiro livro ainda antes de saber ler – foi um livro do Tintim, O Ídolo Roubado, edição brasileira de A Orelha Quebrada, no natal dos 4 anos.

Nuno Pereira de Sousa: O Filipe nasce no segundo livro da série. Acreditas que o personagem roubou um pouco do protagonismo dos pais, apesar do nome da série nunca se ter alterado para o incluir? O protagonismo do Filipe foi originado devido à identificação das crianças com um personagem de uma idade próxima ou foi algo planeado por ti desde a introdução do Filipe na série?
Pedro Leitão: Logo após ter entregue as artes finais da versão final de A Viagem no Carro Encarnado, em abril de 2003, que seria publicado um ano depois, arranquei com a 2.ª aventura, O Leitão Azul – esta história já existia na minha vida, pois tinha sido pai em fevereiro de 1999; o Filipe Jorge Hichwa Leitão é a minha inspiração para o Filipe Cavalinho Leitão. No álbum n.º 3, A Praia da Rocha Amarela, os pais mudam a fralda ao Filipe e ele chora porque é a “hora do biberão”. No 4.º álbum, O Superleitão Cor de Laranja, o Filipe ganha a centralidade da história – e, definitivamente, a das posteriores aventuras – logo na segunda página, ao gritar “Eu tenho seis anos e a minha cor favorita é o laranja”. Chegados à 15.ª aventura, até poderá ter 7, 8 ou 9 anos – ele nunca mais disse a sua idade. Como os seus fãs têm estas idades, o Filipe não envelhece mais. É o personagem mais pedido nas sessões de autógrafos.

pedro leitao aventuras de ze leitao e maria cavalinho 8

Nuno Pereira de Sousa: Em Os Sólidos Flutuantes Amarelo-Torrado, por um lado abordas os sólidos geométricos, que, desta forma, podem também vir a ser trabalhados na sala de aula, mas o tema principal é a educação ambiental. Como os mais novos encaram estas questões?
Pedro Leitão: Os sólidos geométricos aparecem pela primeira vez no álbum n.º 9, As Misteriosas Bolas Brancas; no álbum n.º 8, A Famosa Escola Cor-de-Rosa, aparecem as formas geométricas, os algarismos e as letras do alfabeto, e em todas as outras aventuras há também elementos didáticos que têm sido muito valorizados pelos docentes. As questões da educação ambiental estão muito presentes nas escolas. Os mais novos têm consciência que temos de cuidar da Nossa Casa, que é a única que temos. Reduzir, reciclar e reutilizar são verbos de uso diário.

Nuno Pereira de Sousa: Consideras-te um otimista ou pessimista no que toca a um futuro sustentável?
Pedro Leitão: Com as crianças sou otimista mas, depois, quando confrontado com tanta insustentabilidade fico pessimista.

Nuno Pereira de Sousa: Neste livro, como é habitual, regressam muitos personagens de diversos livros da série. Quais são os personagens “convidados” favoritos dos mais novos?
Pedro Leitão: Os monstros marinhos são os personagens que mais vezes foram “convidados”  e também os mais queridos dos leitores. Mas, nesta aventura, apesar de aparecerem monstros marinhos, o personagem “convidado” favorito é o robô-reciclagem – que aparece no álbum nº 6, O Regresso ao Castelo Violeta.

Nuno Pereira de Sousa: Que materiais utilizas para a elaboração das bandas desenhadas, desde os esquissos à obra final?
Pedro Leitão: Atualmente, na fase da criação da história, utilizo um caderno de capa dura e uma caneta esferográfica. Na fase dos esquissos preliminares, utilizo papel A4 de máquina 80g e lápis de grafite HB e B. Na fase dos esboços finais, utilizo papel A3 de máquina 80g, minas coloridas, lápis de grafite HB até B8 e borrachas. Na fase das artes finais, utilizo papel de aguarela acetinado 300g, canetas de desenho à prova de água de diversas espessuras, guaches, aguarelas ecoline e outras tintas.

pedro leitão animação à leitura

Nuno Pereira de Sousa: Paralelamente à produção da série, realizas também um trabalho com a comunidade escolar, participando com regularidade em sessões de Animação à Leitura em escolas e bibliotecas públicas. Falas-nos um pouco desse trabalho?
Pedro Leitão: A atividade de Animação à Leitura surgiu logo após a publicação, na Terramar, do meu primeiro livro ilustrado, O Casamento da Gata, com texto da Luísa Ducla Soares, em 1987. Com a publicação de A Viagem no Carro Encarnado, passei a dedicar-me, em exclusivo, à Animação à Leitura de As aventuras de Zé Leitão e Maria Cavalinho. Passados estes anos todos, mantenho o mesmo formato de apresentação, que me permite realizar sessões com pequenos grupos, em sala de aula, ou grupos muito numerosos, em auditório – o meu recorde são mais de 600 crianças. Na Animação à Leitura, é projetada, vinheta a vinheta, uma das aventuras, ou pequenas partes de todas, numa interação, com as crianças, muito dinâmica, com dramatização dos diálogos, canções e onomatopeias. No final, respondo às perguntas dos meus leitores, faço um desenho em grande formato e autografo os livros, com desenhos personalizados – cada criança escolhe um personagem e uma atividade que gosta, por exemplo, o Filipe a fazer surf. O sucesso da coleção deve-se, em grande parte, a este trabalho, que já me proporcionou momentos inesquecíveis por todas as regiões de Portugal – continente, Madeira e Açores -, Namíbia, África do Sul, Estados Unidos e Colômbia.

Nuno Pereira de Sousa: Como podem as escolas e bibliotecas te contactar para serem realizadas essas sessões?
Pedro Leitão: Podem contactar o representante da Leya na sua área escolar ou contactar-me através do meu endereço eletrónico: pedroleitaobd@gmail.com.

Nuno Pereira de Sousa: Fala-nos dos projetos em que te encontras a trabalhar atualmente.
Pedro Leitão: Há já vários anos que os meus projetos são a criação de As aventuras de Zé Leitão e Maria Cavalinho. Recentemente, terminei as artes finais da 16.ª aventura, com publicação prevista para 2024. Vai chamar-se Dlk Khghgg Bkjhkhjfh Azul-Turquesa – parte do título está codificado porque só posso anunciar a cor. Após esta entrevista, que agradeço muito, vou voltar a pegar no caderno e na esferográfica para, a pouco e pouco, ir tentando encontrar ideias para a aventura n.º 17, com o Filipe, a Maria Cavalinho, o Zé Leitão e os seus “convidados”.

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