Álvaro: “Na banda desenhada, tenho liberdade total”

Álvaro: “Na banda desenhada, tenho liberdade total”

Entrevista a Álvaro sobre os seus projetos atuais.

Nuno Pereira de Sousa: Criaste o projeto Um Comic Jam com o Lino. Qual era o seu propósito original?
Álvaro : A ideia inicial ocorreu em setembro de 2014. A ideia era reunir umas dezenas de páginas, editar num único volume e oferecer-lhe numa futura homenagem. A BD, em si, arrancou em 2018, numa altura em que o Lino já apresentava algum cansaço. Foi aí que comecei a insistir com o pessoal para elaborar as duas pranchas. Insistir com o pessoal é algo que não é bem a minha praia, portanto tive de assumir um papel no qual não estou confortável. Mas faz-se. E foi-se fazendo.

Nuno Pereira de Sousa: Entretanto, com o falecimento do Geraldes Lino, em que consiste o plano atual?
Álvaro: Em fevereiro de 2019, quando já tínhamos dez pranchas terminadas, o Lino deixou-nos. Contactei os autores que tinham participado até ali para decidirmos o que fazer com a BD. Para a homenagem, já não fomos a tempo. Mas podemos continuá-la. Foi consensual. Vamos continuá-la.

Nuno Pereira de Sousa: Na tua opinião, quais são as maiores vantagens e desvantagens da técnica cadavre exquis em geral?
Álvaro: Eu encaro estas BD espontâneas como um divertimento, com resultados imprevisíveis e absurdos. A mistura de autores variados dá um resultado, no mínimo, interessante. E, lá do meio do absurdo, sempre se obtém algo. Os autores envolvidos aproveitam para fazer experiências, revelar pensamentos ou expor algo íntimo. Por vezes, de forma inconsciente. As desvantagens…? Este tipo de BD dificilmente daria lucro a um editor. Mas o objetivo nunca foi esse, de todo.

Nuno Pereira de Sousa: Para alguém que chegue recentemente ao meio e, infelizmente, não tenha tido a oportunidade de privar com Geraldes Lino, como descreverias sumariamente o papel de Geraldes Lino na banda desenhada?
Álvaro: O Lino era um centro de gravidade que agregava uma boa percentagem dos envolvidos na BD portuguesa. Era um relações-públicas nato. Metia conversa com quer que fosse, sem qualquer problema. Incentivava os autores a produzir. Dava contactos, agrupava pessoal que, de outro modo, não sairiam das suas tocas e divulgava a BD e os seus autores incansavelmente. Nós é que, por vezes, ficávamos cansados. Deixou um vazio que não me parece que venha a ser preenchido.

Nuno Pereira de Sousa: És um dos atuais organizadores da Tertúlia BD de Lisboa. Para os poucos familiarizados com este projeto, podes descrevê-lo?
Álvaro: A Tertúlia BD de Lisboa existe desde 1984. Ocorre mensalmente, nas primeiras 3.ª feiras de cada mês – a não ser que calhe a 1 de janeiro ou que o restaurante não abra a porta nesse dia. Temos, geralmente, um(a) convidado(a) especial que nos vem mostrar e falar do seu trabalho no campo da BD e, o que também é interessante, das suas atividades paralelas. Já tivemos médicos, enfermeiros desportivos ou advogados a falar das suas bandas desenhadas. O ambiente é informal. Fazemos um sorteio de livros e revistas que o pessoal traz de casa para ajudar nalguns custos – o jantar dos convidados, fotocópias, etc. Desenha-se nas toalhas das mesas, fala-se de tudo e de BD. Pode ser frequentada por qualquer um. Se houver por aí alguém interessado(a), é só visitar a nossa página no Facebook e encontrará por lá as informações que necessita. Ou, então, é só contactar-nos pelo email tertuliabd@gmail.com.

Nuno Pereira de Sousa: A maioria dos teus trabalhos mais recentes tem vindo a ser publicado sob a tua chancela editorial, Insónia Edições. Na tua opinião, quais são as vantagens e desvantagens da autoedição e, em última análise, porque tens preferido esta metodologia?
Álvaro: Oooook… Sou licenciado em Arquitetura. Trabalhei nessa nobre arte, a tempo inteiro, de 1990 e tal até 2000 e tal, por aí. Tendo me vindo a afastar, desde aí. O comum nessa atividade é que o trabalho que fazemos, por vezes com gosto e empenho, é, em obra, alterado. Por diversas razões, que incluem as tradicionais manhas dos empreiteiros e o completo desprezo pelo nosso trabalho. Na BD, tenho liberdade total. A partir do momento em que sou, para além do autor, o editor, a liberdade já não é total – dá-se por vezes o fenómeno Dr. Strangelove -, mas o resultado ainda é francamente positivo. E gratificante. Agora… Optando por um editor. Há o lado do que se ganha. Estou a falar de dinheiro. É pouco. Muito pouco. E para as coisas funcionarem, sem se recorrer a concessões hesitantes, é necessário que os dois, autor e editor, estejam no mesmo comprimento de onda. Economicamente, gerindo bem as tiragens, a autoedição, para mim, tem corrido melhor. Mas, para um microeditor, é mais complicado lidar com as grandes lojas. Tenho, até hoje, me limitado a vendas através de festivais e em pontuais lojas da especialidade.

Nuno Pereira de Sousa: A Insónia Edições chegou também a editar um livro de Pedro Mota, em 2015. O que te levou a editar outros autores? E a edição de outros autores permanece nos teus planos ou é uma experiência encerrada?
Álvaro: Foi o Pedro que me pediu. Disse-lhe que não, que só editava &%# minhas. Mas ele insistiu. Disse que não. Ele insistiu. Alinhei porque estamos sintonizados numa mesma linha de abordagem. Não tenho planos de editar outros autores.

Nuno Pereira de Sousa: Há 2 anos que te encontras a trabalhar numa banda desenhada com 320 pranchas. Em que ponto de execução se encontra?
Álvaro: Está finalizada. Já seguiu para a gráfica. Falta, neste momento, que me digam qual é a medida da lombada. A editora será a Insónia. Espero não me arrepender em dizer já isto, mas espero ter o livro disponível no próximo Festival Internacional de BD de Beja. Será apresentado no Festival de BD de Beja.

Nuno Pereira de Sousa: O que podes revelar sobre Porra… Voltei!?
Álvaro: Eu fui um daqueles putos que era obrigado a frequentar catequeses e missas. Aos 12 anos, já completamente ateu, ainda me empurravam para essas coisas. Cortei com aquilo tudo à bruta, o que não foi pacífico lá por casa. Provavelmente, já terá sido por essa altura que comecei a imaginar o que aconteceria se o Cristo, para quem se curvavam de forma mecânica, estrasse por ali adentro e se deparasse com toda aquela hipocrisia. Nas décadas seguintes, ocorreu-me por vezes fazer um «What If…?» sobre essa maravilhosa temática. E fui adiando. Até agora. Esta BD centra-se no regresso do Cristo à Terra. Ele tinha sido abduzido por extraterrestres, que o arrancaram da cruz – os romanos ficaram bem calados. Foi-lhes útil, lá no disco voador – ele tem dedos, o que é ótimo para reparações pontuais. Fartaram-se de o aturar e devolveram-no agora. Como andaram pela galáxia a uma velocidade próxima da da luz, durante os 2000 anos aqui em baixo só se passaram umas duas décadas lá no disco voador. Portanto, isto é tudo realista. OK? Como estava a dizer, os aliens expulsam-no de volta para este minúsculo planeta azul e o carpinteiro espacial vai encontrar uma realidade em pouco diferente. Há ecrãs que mostram o que se passa pelo planeta em tempo real e que, usando só um dedo, nos afastam do que se passa no planeta. Há medicamentos milagrosos, sondas a explorar outros planetas e ainda existem arenas e gente escravizada. Acho que é, no fundo, uma distopia realista.

álvaro porra voltei

Nuno Pereira de Sousa: Planeias uma sequela?
Álvaro: Se o livro tiver aceitação, tenho a continuação preparada para avançar.

Nuno Pereira de Sousa: Em 2023, para além de Porra… Voltei!, vamos ter oportunidade para ver outros trabalhos teus em BD?
Álvaro: Ando a olhar para uns rascunhos e apontamentos soltos para mais um Conversas com os Putos. Não sei, ainda, se vai em frente e se sairá este ano.

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