Nuno Markl: “Adoro esta arte e sinto que tenho de ter mais vezes a iniciativa de trabalhar nela”

Nuno Markl: “Adoro esta arte e sinto que tenho de ter mais vezes a iniciativa de trabalhar nela”

Manual de Instruções Nuno Markl Miguel Jorge

Entrevista a Nuno Markl, a propósito do lançamento de Manual de Instruções.

Nuno Pereira de Sousa: Bastará somente relembrar os livros Há Vida em Markl para recordar que a banda desenhada não é um meio de expressão ao qual és alheio. A que julgas que se deve tanto tempo de hiato na BD até à publicação de Manual de Instruções?
Nuno Markl: A questão é que eu nunca considerei BD os meus rabiscos do Há Vida em Markl! BD é algo mais sério, feito por artistas especializados e não por um tipo que, às vezes, só quer desabafar inquietações num instante, rabiscando as suas ideias sem grande técnica. O Miguel Jorge é um artista de BD a sério, tal como o Luís Louro, com quem fiz O Corvo: Laços de Família, a minha anterior incursão pela escrita de BD. Os hiatos não são pensados; eu embrenho-me tanto nas coisas que faço na rádio e na TV, que depois não sobra muito tempo para tomar iniciativas de fazer outras coisas, como Banda Desenhada. Mas funciono bem com estímulos exteriores – no caso d’O Corvo, o Luís Louro convidou-me para escrever aquela aventura; e no caso do Manual, foi o Miguel a perguntar-me se podia atirar-se ao argumento que eu escrevera para cinema e a transformá-lo em BD. Mas adoro esta arte e sinto que tenho de ter mais vezes a iniciativa de trabalhar nela. Não tanto a desenhar – devido a rabiscos – mas a escrever histórias para quem leva esta arte mesmo a sério.

Nuno Pereira de Sousa: Utilizaste um método cada vez mais comum, internacionalmente, entre guionistas de cinema, o de transformar o guião não num filme mas em banda desenhada. Após Manual de Instruções, pensas repetir a fórmula?
Nuno Markl: Acho que sim. É interessante essa fórmula – de facto, criar uma BD com o artista certo não é sequer uma «next best thing» perante a impossibilidade de produzir um filme. O que percebo é que é mesmo uma forma de fazer uma história ganhar vida de uma maneira muito única e especial. Uma das ideias de que tenho falado com o Miguel é numa adaptação a BD do meu argumento Refrigerantes e Canções de Amor, numa visão mais próxima da que tive quando escrevi o guião do que aquela que acabou em filme. Nesse caso, será uma maneira até de tornar aquela história mais pessoal.

Nuno Pereira de Sousa: Após teres decidido pela adaptação do guião para banda desenhada pelo Miguel Jorge, transformaste o guião, a pensar que teria a banda desenhada como meio?
Nuno Markl: Não mexi em nada, até porque estava bastante apertado de tempo com vários projetos – tudo o que fiz foi mandar o guião do filme ao Miguel e confiar nele. Definimos o look das personagens e, depois disso, o Miguel foi-me dizendo as leves alterações que se propunha fazer para uma ou outra coisa funcionar melhor na página do que no ecrã. Mas não foi muita coisa, o que está no livro está bastante fiel.

Nuno Pereira de Sousa: És um argumentista que dás bastantes instruções de como deve ser cada vinheta e a composição de cada prancha ou deixas a maioria dessas decisões ao ilustrador?
Nuno Markl: Deixei isso para o Miguel e percebi rapidamente que ele entendia bem os ritmos, os timings e o que devia ser mostrado ou não em cada momento.

Nuno Pereira de Sousa: Do trabalho do Miguel Jorge, o que mais te surpreendeu? A obra está próxima do filme que tinhas imaginado?
Nuno Markl: Está muito próxima. E adorei a opção pelo preto e branco – de facto, como diz o Miguel, essa opção estética aproxima ainda mais o universo do Alberto do universo dos manuais de instruções, que são sempre a preto e branco. De certa forma, sublinha a maneira como os manuais de instruções são a sua vida e lhe devoram a vida. Lembro-me que quando estava a escrever o guião para filme, estava a pensar que efeitos visuais e gráficos poderiam ser usados para passar essa ideia em cinema. Mas em BD, esta opção é em cheio.

Nuno Pereira de Sousa: Referes que esta obra nasceu a partir do fim do teu casamento. Utilizaste, na altura, a escrita como catarse?
Nuno Markl: Eu acho que é sempre. O meu argumento Refrigerantes e Canções de Amor tinha alguma coisa do fim do meu primeiro casamento. A série [televisiva]1986 tinha muito da minha angústia sobre tudo o que ficou por dizer e fazer na minha relação com o meu pai. E o Manual é sobre o fim do meu segundo casamento, as angústias sobre se serei não apenas um bom parceiro de vida mas também um bom pai. Tento perceber-me e corrigir-me através do que escrevo, mas tentando não cair na lamechice e, em vez disso, tentando fazer rir.

Nuno Pereira de Sousa: Mesmo nos casos em que se possa dizer que o processo de divórcio foi bom, o final de um casamento tem sempre momentos menos bons que ficam na memória. Tiveste de ultrapassar eventuais receios de que poderias ter de regressar mentalmente a alguns desses momentos aquando da cobertura do lançamento do livro?
Nuno Markl: Sinto que está tudo resolvido e pacato. Agora vejo muitas dessas coisas pelo filtro do Manual de Instruções e deixo que o Alberto carregue essa cruz, que agora é o trabalho dele!

Nuno Pereira de Sousa: Com o final do casamento, realizaste alguma das mudanças a que sujeitaste o Alberto Simões, o protagonista de Manual de Instruções?
Nuno Markl: Estou a tentar fazer as coisas melhor nesta fase da minha vida, e acho que retirei algumas lições do Manual!

Nuno Pereira de Sousa: Que podes revelar aos nossos leitores sobre os projetos em que te encontras a trabalhar atualmente, incluindo os de banda desenhada?
Nuno Markl: No que toca a BD, tenho falado com o Miguel na questão da adaptação do Refrigerantes e Canções de Amor e ele já me mandou uns esboços. Uma das coisas que queremos mudar é o look da dinossaura, que no filme estava muito feminino e quase sexy. Era lindo, mas não era o que eu tinha imaginado quando escrevi a história. É mais divertido e poético se o protagonista se apaixonar pela mulher que está dentro de um fato de mascote de dinossauro completamente assexuado, quase Hanna-Barbera nos anos 70. De resto, ando às voltas com um projeto de cinema algo ambicioso que ainda é top secret, para não enguiçar. Esse é provável que vá direto para cinema sem passar pela BD!

Para leres a entrevista a Miguel Jorge, clica aqui.

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