
Entrevista a Deya Muniz, a propósito do lançamento de A Princesa e a Tosta de Queijo.
Nuno Pereira de Sousa: De que modo a tua formação em Design em Media Digital na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) contribuiu para os teus projetos em banda desenhada?
Deya Muniz: Eu comecei a fazer minhas tirinhas Brutally Honest pra evitar trabalhar na minha Tese de Conclusão de Curso na PUC! Quando elas começaram a fazer sucesso na internet resolvi incorporá-las na tese, e acabou que meu projeto final foi uma webcomic! Depois de me formar percebi que ainda não conseguia alcançar um ritmo de produção bom, então decidi continuar estudando mais um pouco! Foi assim que decidi fazer Mestrado.
Nuno Pereira de Sousa: Fala-nos um pouco do webcomic Brutally Honest.
Deya Muniz: Brutally Honest é uma séries de tirinhas cômicas auto biográficas que eu produzi entre 2015 e 2020! Fiz mais de 400 tirinhas no total, e no meio dessa produção conheci minha atual esposa, que aparece em várias das tirinhas mais recentes. Consegui alcançar um bom público com essas tirinhas, e as vezes me dá vontade de fazer mais, mas me falta tempo!
Nuno Pereira de Sousa: Publicaste outras bandas desenhadas quando vivias no Brasil, seja online seja em formato físico?
Deya Muniz: Enquanto estava no Brasil, fiz a Brutally Honest, que foi publicada primeiramente online mas também apareceu em antologias físicas e na revista ImagineFX! Além disso, também publiquei a webcomic do meu projeto final da PUC, Benedict the Grey, mas nunca cheguei a terminar a história.

Nuno Pereira de Sousa: Como surgiu a escolha do Savannah College of Art and Design (SCAD) na altura de realizar um mestrado em arte sequencial?
Deya Muniz: Eu estava a busca de um mestrado que abordasse Arte Sequencial ou Desenvolvimento Visual, mas isso é um bocado difícil de encontrar – geralmente as pessoas que acabam trabalhando com essas coisas são formadas em animação, ilustração ou são autodidatas. Dentre os poucos cursos que encontrei, o da SCAD foi o que pareceu trazer as melhores oportunidades não só de aprendizado, mas também de fazer novas conexões profissionais!
Nuno Pereira de Sousa: Como foi a tua adaptação à Georgia? Sentiste algum tipo de discriminização?
Deya Muniz: Foi super tranquilo! Savannah é uma cidade muito diversa graças a presença da SCAD, que tem uma população enorme de alunos internacionais. Além disso eu sou bem branquela e não tenho muito sotaque em inglês, então acho que a maioria das pessoas só ficava sabendo que sou estrangeira se eu contasse.
Nuno Pereira de Sousa: A Princesa e a Tosta de Queijo espelha a tua relação com a Emily Erdos, com diversos elementos autobiográficos. Podes partilhar com os nossos leitores alguns elementos biográficos que estão no livro mas que não são revelados no posfácio?
Deya Muniz: É complicado porque não tem muitos momentos que sejam realmente autobiográficos! Tem o momento da tosta de queijo, os vestidos no finalzinho do livro e alguns momentos no começo, como a Brie dormindo no ombro da Camembert. Fora isso, a relação da história pra vida real é um pouco mais abstrata – tipo o Camembert e a Brie passarem um bom tempo sem conseguir se entender direito, coisas assim.
Nuno Pereira de Sousa: No livro, como surgiu a ideia anacrónica de, num ambiente que evoca o passado, colocares elementos da atualidade, como uma certa consola de videojogos?
Deya Muniz: Eu não queria me sentir responsável por representar um período histórico de um país que mal visitei, então resolvi fazer uma grande mistura de elementos para criar o mundo da história. Na hora, pareceu natural incluir esses elementos! Tem muita coisa nesse livro que eu inclui só por achar engraçado mesmo!
Nuno Pereira de Sousa: Que materiais e software utilizaste para elaborar esta banda desenhada?
Deya Muniz: iPad Pro e Clip Studio! Inclusive, fiz a maior parte do livro ainda usando um iPad Pro pequeno de 11 polegadas, só no final que troquei por um maior. É questão de gosto, mas para mim o Apple Pencil tem o tamanho e peso certinhos pra eu conseguir desenhar por várias horas sem me dar dor na mão ou no braço.

Nuno Pereira de Sousa: Neste livro, parece que também tens um interesse especial pela moda. Isso surgiu na PUC-Rio, devido à existência do curso de Design de Moda ou tem outra origem?
Deya Muniz: Não, eu tive muito pouco contato com alunos de moda na PUC! Nem considero meu interesse por moda muito especial, só foi algo que na minha cabeça encaixava naturalmente na história da Camembert e da Brie.
Nuno Pereira de Sousa: Tal como Lady Camembert, alguma vez sentiste que o patriarcado te limita as escolhas pessoal e profissionalmente?
Deya Muniz: Eu diria que, pessoalmente, senti bastante pressão para me comportar e me apresentar de uma certa maneira… Mas tive a sorte e o privilégio de apenas sentir pressão, sem encontrar grandes limitações. Pressão pode ser bem ruim e deixar sua marca, mas no fim das contas dá pra ignorar.
Nuno Pereira de Sousa: São muitos os personagens femininos na banda desenhada infantil e para jovens adultos cujas aspirações são pouco mais que encontrar a alma gémea, com maior ou menor espírito consumista (neste livro, representado pela aquisição de vestuário de alta costura). Mas, neste livro, Lady Gorgonzola apresenta ambições profissionais, demonstrando querer algo mais. Foi algo propositado, a introdução de uma personagem assim?
Deya Muniz: Não….? Acho que foi mais um resultado de eu nem pensar nessa tendência e apenas criar as personagens que eu queria. A Gorgonzola surgiu porque eu estava precisando de uma personagem que entendesse tudo que estava acontecendo enquanto todo o resto ficava na confusão. Ela entende a Camembert num nível diferente da Brie e da Ricotta – ela também teve que lidar com as limitações e complicações que a lei de herança do reino impõe na vida das mulheres do reino.
Nuno Pereira de Sousa: Como surgiu a hipótese de publicar o livro na Little Brown Books?
Deya Muniz: A SCAD tem um evento anual no departamento de Arte Sequencial chamado Editor’s Day, onde alunos têm a oportunidade de apresentar suas ideias diretamente para editoras. Eu apresentei A Princesa e a Tosta de Queijo para várias, e acabei publicando com a Little Brown!
Nuno Pereira de Sousa: Os vários tipos de queijo são um elemento omnipresente no livro. Como seria um mundo onde não existisse queijo?
Deya Muniz: Nem queijos veganos?! Preciso de algum queijo pra sobreviver!

Nuno Pereira de Sousa: Blades of Furry é um webcomic que criaste em parceria com a Emily Erdos. Fala-nos um pouco dessa banda desenhada.
Deya Muniz: A ideia surgiu para a minha Tese de conclusão do mestrado, que foi sobre Suspensão de Descrença. Para a parte visual da tese eu quis criar a ideia mais louca possível, mas que ainda parecesse natural para o espectador/leitor. Foi assim que cheguei em Furries Gays Patinadores Artísticos que lutam!! Emily foi uma grande inspiração na época da tese, e quando veio a oportunidade de transformar em Webtoon decidimos fazer juntas!
Nuno Pereira de Sousa: Foste uma das semifinalistas do 2019-2020 Nick Artist Program. Fala-nos um pouco disso.
Deya Muniz: Quando eu estava terminando o mestrado mandei currículo para todo lado! Tanto pra trabalhar com storyboards para animação quanto para trabalhar com bandas desenhadas. Enviei o storyboard de Blades of Furry para a Nick e fui longe no processo de seleção, mas no fim das contas tive que me retirar dele para focar na produção de A Princesa e a Tosta de Queijo e Blades of Furry.
Nuno Pereira de Sousa: Do que sentes mais falta de Niterói e do Rio de Janeiro?
Deya Muniz: Meus amigos e várias comidas! E a facilidade de ir e vir sem precisar de carro. A gente reclama do transporte público brasileiro mas ele faz muita falta quando você mora onde quase não existe transporte público fora dos maiores centros.
Nuno Pereira de Sousa: E quando regressas ao Brasil, do que sentes mais falta dos EUA?
Deya Muniz: Faz quase 5 anos que não volto ao Brasil! E as últimas vezes que fui senti muita falta da Emily (risos)!
Nuno Pereira de Sousa: Em que projetos te encontras a trabalhar atualmente?
Deya Muniz: Ah, eu adoraria contar, mas por enquanto tenho que manter em segredo!
Nota: manteve-se a Norma Brasileira da Língua Portuguesa nas respostas da entrevistada.

Fundador e administrador do site, com formação em banda desenhada. Consultor editorial freelance e autor de livros e artigos em diferentes publicações.