Entrevista a Derradé e João Gordinho a propósito da publicação do webcomic Angeli.
Nuno Pereira de Sousa: Quando e de que forma tomaram contacto pela primeira vez com uma banda desenhada de Angeli?
Derradé: A primeira vez em que li algo do Angeli foi quando o Geral me mostrou a revista Chiclete com Banana n. º11. Hoje posso afirmar a pés juntos que foi um momento pivot da minha vida. Nada voltaria a ser igual. Esse episódio está relatado no meu livro O Fogo Sagrado, editado pela Escorpião Azul.
João Gordinho: Algures em 1987, na papelaria da rua onde morava com os meus pais, Chiclete com Banana n.º1 passou a ser um vicio que transmiti a todos os meus amigos fãs de BD e cartoon da altura.
Nuno Pereira de Sousa: Quais são as obras deste autor que gostariam de destacar?
Derradé: O Velho Cartunista e Angeli em Crise. Como é uma vertente mais autobiográfica – com muita ficção, claro – se calhar, tocou-me mais. E é uma influência direta para o facto eu me retratar com tanta frequência nas minha histórias.
João Gordinho: Diria mais personagens. Bob Cuspe era o meu anti-herói perfeito – toda a minha adolescência foi fortemente marcada pelo movimento punk, especialmente a vertente musical e visual, devo confessar.
Nuno Pereira de Sousa: Qual o significado da obra de Angeli para cada um de vós, enquanto leitores e enquanto autores?
Derradé: Considero o Angeli o meu “Mestre” no que à BD diz respeito. Eu tinha deixado de desenhar e, quando li a Chiclete, foi como se os céus se abrissem e trombetas se fizessem ouvir: “É possível fazer humor deste tipo!”. Repara que, embora morasse a 15 km de Lisboa, só tinha acesso à BD que chegava às bancas de jornais, e à BD editada em Portugal quando ia à Feira do Livro. Estamos portanto conversados. As revistas da Circo (Chiclete, Geraldão, mais tarde Piratas do Tiête) e a revista Animal (que me mostrava a BD Europeia que não chegava cá: Peter Punk, RanXerox, Tank Girl…) foram fulcrais no reativar da minha paixão pela BD, que andava morta. E principalmente o humor cínico, sarcástico e sacana do Angeli, misturado com a sua galeria de tipos urbanos, foi um rastilho que reacendeu a dita paixão.
João Gordinho: Quando folheei pelas primeiras vezes aquelas revistas, aquilo foi como um soco nos tomates, no bom sentido. Era tão fora da caixa, muito melhor que a MAD, ou seja, ia mais de encontro ao que eu sentia na altura. Todas aquelas cenas maradas que se passavam na minha mente já tinham também tomado forma na cabeça daquele “gajo”. Brilhante, foi o que pensei.
Derradé: Existe um soco nos tomates no bom sentido?
João Gordinho: Num hipotético caso de ser em ti, diria que sim. Significaria que alguém, de forma surpreendente, conseguiu reconhecer e encontrar certas partes da tua anatomia que duvido que tu próprio já encontres.
Derradé: Que graça. Que nível. Que classe!… Já deverias saber que quando fui pai pela terceira vez mandei remover cirurgicamente e substituir por uns de titânio. Portanto, boa sorte!…
João Gordinho: Está explicado o peso.
Nuno Pereira de Sousa: Tiveram oportunidade de conhecer o Angeli?
Derradé: O Angeli esteve no Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora em 2000, creio. Foi no último ano do festival na Fábrica da Cultura. Teve uma exposição cuja cenografia foi das melhores que vi até então – e o AmadoraBD sempre teve cenografia espetacular. Ele, nessa altura, publicava no Diário de Notícias – que eu comprava, religiosamente – e teve por cá a reedição da Chiclete pela Devir. Conheci-o na sessão de autógrafos e não lhe disse muita coisa. Estava bastante intimidado. Levei-lhe para assinar aquela Chiclete super gigante – LoveStórias – e um livro que tinha encontrado na Feira do Livro – havia uma distribuidora que tinha alguns livros brasileiros; nem sempre, mas de vez em quando, apareciam da Martins Fontes e da LPM – com o trabalho de charges políticas do Angeli sobre o ex-presidente do Brasil Fernando Henrique Cardoso e ele ficou muito admirado de ver aquele livro aqui em Portugal. De resto, foi bastante simpático. Escusado será dizer que na entrevista habitual que no AmadoraBD costumam fazer aos convidados, eu estava na primeira fila a gravar tudo. Talvez um dia a coloque no YouTube ou assim, para partilhar a memória do festival, já que o mesmo, que julgo que deve ter dezenas dessas entrevistas gravadas – e se não tem, porquê? – não o faz.
João Gordinho: Nunca conheci pessoalmente o Angeli.
Nuno Pereira de Sousa: Como surgiu esta ideia de elaborarem uma homenagem a Angeli?
Derradé: Foi um convite da Margarida e do Pedro, da Legendary Books, que queriam fazer uma homenagem ao Angeli, que se reformou devido a problemas de saúde, como é do conhecimento geral, e que fez um convite a vários autores para fazerem umas pranchas sobre o Angeli. O resultado seria uma exposição e um livro editado por eles. Creio que somente eu e o Gordinho é que entregámos material. É o que temos… Eu entreguei primeiro, uma prancha, e o Gordinho, quando soube, fez logo quatro para me fazer ficar mal visto. Se não é assim a verdade, pelo menos, é deste modo que gosto de a contar (risos).
João Gordinho: Faço das palavras do Dário as minhas. Mas só fez uma prancha porque é um preguiçoso. Em contrapartida, nesta entrevista falou o equivalente ao Velho Testamento, em termos de tamanho , claro.
Derradé: Aqui a palavra chave é “velho”.
João Gordinho: Preguiçoooooooosooooo….
Derradé: Também.
Nuno Pereira de Sousa: Este ano, os 50 anos de humor de Angeli tiveram direito a uma exposição no CartoonXira. O que mais vos impressionou na exposição? E houve algo na exposição que vos dececionou?
Derradé: Em primeiro lugar, impressionou-me o facto de ela ter existido. Não estava à espera que se lembrassem. Ainda para mais no concelho onde vivo – e cresci. Os meus parabéns e agradecimentos ao António por essa lembrança. A exposição estava bem pensada, nenhum aspeto da sua obra foi esquecido, desde os primeiros tempos até aos últimos trabalhos, com exemplos de cartoon políticos, tiras, pranchas e mesmo os trabalhos mais alternativos e não necessariamente de humor clássico. O que me dececionou, embora compreenda, é que era tudo prints digitais. Mesmo em material que não tinha sido criado digitalmente – como as mais recentes o foram – a opção foi o print. Mas saí de lá com um quentinho no coração. Angeli é Angeli.
João Gordinho: A imensidão do trabalho do “Homem” foi o que me impressionou mais. Por outro lado, reparei na total, salvo erro, ausência do Bob Cuspe.
Nuno Pereira de Sousa: Em que estão a trabalhar neste momento, a nível de banda desenhada?
Derradé: Terminei um livro de 16 páginas – mas com imenso sumo, ok? – com o Mário Freitas, que será editado pela Kingpin Books em outubro, intitulado Há Quem Queira que a Luz se Apague e estou a terminar – espero, sinceramente… – um livro para a Polvo, intitulado Bubas – Addicted to Love“. Ambos serão coloridos – pela Beatriz Duarte – e o da Polvo terá capa dura – espero, sinceramente…
João Gordinho: Não é BD mas estou a ilustrar livros infantis e tem sido bem divertido e criativamente estimulante. Continuo a “arranhar” uma sequela para O Filho do Führer e tenho um projeto pessoal em curso que me está a dar bastante gozo, mas do qual não vou falar, porque não quero e não me lixem.
Derradé: Aqui a palavra chave é “arranhar”. Projeto pessoal… Hum… Com o teu último projeto pessoal ias sendo processado pela Disney, além de teres andado de muletas um par de meses. Continuas assim…
João Gordinho: É estranho saberes isso das muletas. Na verdade, fui “ajudado” a cair de umas escadas por dois indivíduos mascarados e vestido com fatos pretos justos. As únicas descrições que consegui dar à policia foi que um era magro, usava rabo de cavalo e tinha uma testa razoavelmente avantajada. Já o outro era nitidamente grande demais para o fato em questão, onde a barriga saía generosamente e o mesmo se descosia dolorosamente em agonia em vários pontos. Também suava bastante. Nunca foram apanhados.
Derradé: Assim de repente não me fazem lembrar ninguém, mas como és conhecido pela tua miopia – mental…. -, não seria de espantar que te tenhas enganado. Provavelmente, eram dois escoteiros, como da outra vez no peep-show.
João Gordinho: Posso me ter enganado… Estava demasiado ocupado a cair pelas escadas… Mas… Tens algum fato preto? Tipo Ninja?
Fundador e administrador do site, com formação em banda desenhada. Consultor editorial freelance e autor de livros e artigos em diferentes publicações.