Ideiafix e os Irredutíveis: Muito mais do que à primeira vista…!

Ideiafix e os Irredutíveis: Muito mais do que à primeira vista…!

ideiafix e os irredutíveis

Análise a Ideiafix e os Irredutíveis vol. 3.

Há coisas que são menosprezadas e diminuídas quando comparadas com alguma coisa. E pior ainda quando são comparadas com um produto original de que são derivadas. É isso o que acontece com a série Ideiafix e os Irredutíveis que, irremediavelmente, é sempre comparada pelos leitores mais velhos com a série-mãe: Astérix.

Mas, na verdade, e sem termos de entrar em análises muito profundas, Ideiafix tem méritos próprios que ultrapassam em muito a qualidade inquestionável do desenho – o que veremos mais à frente.

O facto é que o pequeno cão cosmopolita – não vivesse ele em Lutécia – criado por René Goscinny e Albert Uderzo em 1965 vê já num curto espaço de tempo o seu terceiro álbum publicado em Portugal pelas Edições Asa, agora com o título Em Lutécia não há parança! (cf. apresentação e imagens da edição portuguesa aqui).

Do segundo álbum já se falou aqui no artigo “Ideiafix e os Irredutíveis: É de Pequenino…!” E também se entrevistou dois dos desenhadores em “Bastide e Fenech: Uma Ideiafixe“. É tempo agora de se ver o que nos traz este terceiro álbum que mantém a estrutura dos anteriores com três aventuras, tendo agora argumentos de Marine Lachenaud e Olivier Serrano e desenhos do nosso conhecido Philippe Fenech e do experiente David Étien.

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Vamos às histórias!

Estamos no ano 52 antes de Cristo. A Gália está sob domínio romano e é assim mantida com o punho de ferro de Júlio César. Lutécia (a actual Paris) não é excepção, embora um grupo de irredutíveis animais, entre os quais se encontra Ideiafix, faça a vida negra ao general Labieno e aos seus cães legionários.

O Gládio de Camulógeno

Matasétix, o chefe da aldeia gaulesa onde vive Astérix, foi visitar o seu cunhado a Lutécia. Mas rapidamente se incompatibilizou com ele (como é habitual). Acha-o muito galo-romano e, ainda por cima, acaba de vender o gládio do heroico chefe Camulógeno, símbolo da resistência gaulesa, a Ângulorasus, um esbirro do general romano Labieno.

Matasétix perde a cabeça, assenta um bofetão em Ângulorasus e tira-lhe o gládio. Mas este não se fica e persegue o chefe gaulês acompanhado da matilha de cães legionários do general Labieno. E é neste momento que Ideiafix e os seus irredutíveis companheiros decidem intervir…

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Lutécia está a arder?

Glutonix desafia Ideiafix e Turbina para irem comer umas deliciosas salsichas fumadas. Mas quando se preparam para sair, um denso nevoeiro cinzento invade a sua casa. Quem não se fica a sentir nada bem é Bronquitix, o velho pombo luteciano, que acaba mesmo por desmaiar.

Ideiafix não sabe, mas a culpa é de Ângulorasus que acaba de inventar um poderoso aquecedor a carvão para tornar a temperatura do palácio do seu general tão doce quanto a de Itália. O problema é o fumo que provoca.

O fumo adensa-se nas ruas e Ideiafix só vê uma solução para ajudar o amigo Bronquitix – levá-lo para as alturas da enorme torre dos pombos, onde o ar ainda se mantém puro. Mas nem tudo é assim tão simples…

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O despertador de Lutécia

Os primeiros raios de sol aparecem no horizonte. E com a claridade a instalar-se no céu, chega o momento de Orquestrix despertar todos os habitantes de Lutécia. É que ele é um galo com um poderoso aparelho vocal.

Quem não fica nada satisfeita é Monalisa, a gata do general Labieno. Ela está farta de ser acordada violentamente com o estrondoso cocoricó de Orquestrix. Monalisa não é de se ficar e engendra um plano. Um plano que passa por ter um lauto repasto onde o prato principal é galo com tâmaras.

No dia seguinte. Lutécia desperta fora de horas. Todos estão atrasados, inclusive Ideiafix e os seus irredutíveis. É que, pela primeira vez desde sempre, Orquestrix não cantou…

As 3 histórias

Estas são as três histórias deste álbum que adaptam à Banda Desenhada igual número de episódios de animação emitidos na RTP 2. A narrativa, destinando-se a um público muito jovem, é simples. Mas, pelas ideias que veiculam, as histórias estão longe disso. Aliás, eu aconselharia mesmo a que a leitura fosse feita em família de modo a que os mais jovens pudessem tirar o melhor partido da experiência com a ajuda da imensa sapiência dos pais…

Se não, vejamos!

Em O gládio de Camulógeno, o tema é o da resistência (tema tão caro aos franceses) e dos colaboracionistas, aqui corporizados no personagem de Ângulorasus. Mas também é o da romanização, assumida plenamente por Homeopatix – cunhado de Matasétix – e a crítica que este último lhe faz chamando-o mesmo de galo-romano.

Mas há outros pormenores neste primeiro episódio que carecem do apoio parental. Logo na primeira página é bem visível na primeira vinheta a estátua da loba romana que, diz a lenda, amamentou os irmãos Rómulo e Remo, sendo que o primeiro acabaria por fundar Roma e ser o seu primeiro rei.

Duas páginas depois, o gag corrido nas duas últimas vinhetas mostra a importância que a burocracia tinha para os romanos. A tirada do legionário é genial: “Estamos ao serviço de Roma, não dos romanos.”

Entre outras coisas, temos ainda o piscar de olho dos autores à série de Astérix, quando Ideiafix termina a aventura dizendo desejar voltar a encontrar Matasétix ou a referência anacrónica a um Rei Artur e a Excalibur, a espada na pedra.

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Já em Lutécia está a arder?, os temas centrais são os da poluição e da segregação. O da poluição é óbvio, mas não será tão evidente para uma criança a problemática do carvão. Já o da segregação é-nos apresentado através da reacção dos pombos à entrada dos cães no pombal: “A torre dos pombos está interdita a animais com pelo!” A cena dura três páginas e inclusive tem uma referência à famosa tirada histórica da não menos famosa Pasionara, durante a Guerra Civil Espanhola (frase que, no entanto, já tinha sido utilizada na I Guerra Mundial).

Neste episódio há ainda uma referência à Torre Eiffel cuja forma está bem mimada na torre dos pombos, e uma referência mais obscura ao “exército das sombras” na página 41 que nos remete para o romance com o mesmo título do escritor Joseph Kessel e para o filme de Jean-Pierre Melville que adapta o romance ao cinema e que trata da resistência francesa durante a Segunda Guerra Mundial.

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Por fim, do terceiro episódio, talvez o mais simples dos três, podemos tirar uma lição sobre manipulação, observando bem tudo o que a gata Monalisa faz para levar o galo Orquestrix para a panela.

Ora, com tudo o que já se disse, penso não podermos simplificar demais a análise destas aventuras de Ideiafix e os Irredutíveis. Tenho sérias dúvidas que as criancinhas consigam observar o que nós, adultos, conseguem… Acho eu! De qualquer modo, para além de ser um bom momento em família, a leitura bem comentada pelos pais só enriquece os filhos.

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E depois há o desenho e esse, seja pelo pincel de Philippe Fenech, já nosso conhecido dos álbuns anteriores, ou pelo de David Étien, é irrepreensível, mimando na perfeição o traço mundialmente conhecido de Albert Uderzo. E agrada a miúdos dos “7 aos 77”.

Se de Fenech já se falou na entrevista acima citada, é de mencionar o palmarés de David Étien que engloba, entre outras, os 3 mais recentes volumes da série mítica de Serge Le Tendre e de Régis Loisel, Em Busca do Pássaro do Tempo, a série Les Quatre de Baker Street (já com 9 álbuns) e a magnifica série Champignac (terceiro volume publicado este ano) que tem como protagonista um dos principais personagens das aventuras de Spirou, mas em novo.

Tendo identidade e sucesso próprios como artistas, tanto Fenech como Étien são perfeitos a imitar o estilo Uderzo. E isso é visível quer ao nível dos personagens e das suas expressões faciais como ao nível dos décors. É bem evidente que ambos se divertem que nem loucos a desenhar estas aventuras de Ideiafix.

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Para além disso, as histórias são rápidas, cheias de acção e prendem facilmente a atenção dos mais novos. Quanto aos mais velhos, como disse em artigo anterior, podem deixar-se levar pela nostalgia de outros tempos, quando também eles davam os primeiros passos na leitura de BD.

Fica-se agora à espera do quarto álbum da série e, sobretudo, à espera do quinto que terá, pela primeira vez uma única história completa.

Entretanto, enquanto o Verão corre calmamente, releiam os três álbuns de Ideiafix, descubram os inúmeros pormenores interessantes incluídos em cada uma das 9 histórias, e preparem-se para a chegada do quadragésimo álbum de Astérix com o título O Íris Branco, já em Outubro.

Ideiafix ou Astérix: muito mais do que à primeira vista podemos ver!

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