Ricardo Cabral: “Se os autores não gostassem mesmo muito de fazer BD, não haveria BD portuguesa”

Ricardo Cabral: “Se os autores não gostassem mesmo muito de fazer BD, não haveria BD portuguesa”

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Entrevista a Ricardo Cabral a propósito do lançamento de Loose Ends – Lisbon.

Nuno Pereira de Sousa: Como surgiu a ideia de se publicar uma edição em língua inglesa de Pontas Soltas – Lisboa e quais são os seus principais objetivos? 
Ricardo Cabral: Foi algo que se pensou logo no início, quando da publicação original. Fez-se a tradução e tudo, mas depois não avançou. A ideia na altura, tal como hoje, é chegar ao público estrangeiro que nos visita como turistas.

Nuno Pereira de Sousa: Pontas Soltas – Lisboa reúne bandas desenhadas previamente publicadas e inéditas, produzidas entre 2004 e 2014. Que materiais e técnicas utilizaste na altura? Há diferença relativamente aos materiais e técnicas que utilizas atualmente? 
Ricardo Cabral: As bandas desenhadas do livro são todas muito diferentes, quer em estilo quer em técnica. “The God tracking station“ , feita para um fanzine do Geraldes Lino foi a primeira BD que eu fiz a chegar às 10 páginas; isso, na altura, para mim, foi um feito. “Hi No Tori” foi algo que eu comecei na altura do álbum Evereste e o processo de trabalho  é muito semelhante a esse livro, onde a cor ainda é pensada como coloração em vez de pintura, como depois acontece em “WebTrip”, que é feita depois dos Sketchbooks de Israel e Kosovo. Lembro-me que para a “Webtrip” eu fiz um modelo da personagem em plasticina e andei pelos locais com ela a tirar-lhe fotos, para depois ter as referências das cores para pintar.  A grande exceção é a BD O Caso Doca 21”, que é toda feita num telemóvel Samsung Note, na aplicação Sketchbook Pro, que é o que eu uso hoje para desenhar em digital. Eu já coloria a maior parte dos meus trabalhos em digital, mas, até aí, todo o desenho era feito em papel. A experiência de fazer essa BD acaba por levar à minha transição de desenhar em papel para desenhar diretamente em digital.

Nuno Pereira de Sousa: Esta nova edição em inglês, tem algum conteúdo inédito?
Ricardo Cabral: Não, é exatamente igual.

Nuno Pereira de Sousa: Gostas de reler as bandas desenhadas que realizaste no passado ou preferes nunca mais olhar para as mesmas? 
Ricardo Cabral: Sim, às vezes dou uma olhadela para ver como desenhei alguma coisa ou para me recordar de algum pormenor. Em geral, eu tenho bons sentimentos em relação ao que fiz, sobretudo na banda desenhada, por isso não me faz confusão revisitar esses trabalhos.

Nuno Pereira de Sousa: Pontas Soltas – Lisboa sucedeu ao teu livro anterior, Pontas Soltas – Cidades. Há planos para editar também uma versão em inglês desse livro? 
Ricardo Cabral: Acho que não. 

Nuno Pereira de Sousa: Entre o lançamento de Pontas Soltas – Lisboa e a sua versão em inglês decorreram 9 anos. Quais pensas serem hoje as maiores diferenças no país no que toca à banda desenhada, sob o ponto de vista de um autor de banda desenhada português? 
Ricardo Cabral: Não sei. Eu andei a fazer outras coisas entretanto. A BD que fiz foi para as antologias do Lisbon Studio TLS Series. Trabalhei numa curta de animação para a Sardinha em Lata onde desenvolvi toda o visual do filme, e desenhei a novela gráfica Wiper, publicada pela americana Dark Horse, por isso a minha perspetiva sobre as diferenças entre esses 9 anos pode não ser a mais certeira. Mas, pelos contactos que tenho tido com outros autores, de quem sou amigo, ou com alguns editores, a ideia que tenho é que a BD hoje é mais bem vista e aceite quer como forma de expressão artística quer como produto. As editoras descobriram que a designação “Graphic novel”, novela gráfica, é mais bem-vista e vende melhor que a designada “banda desenhada”. Hoje há mais eventos, editoras e, incrivelmente, apoios do estado para obras de BD, mas, no final do dia, parece-me que, em Portugal, se os autores não gostassem muito, muito, mas mesmo muito do simples ato de fazer BD, de estar horas intermináveis dedicados a um projeto, não haveria BD portuguesa.

Nuno Pereira de Sousa: Em que te encontras a trabalhar neste momento?
Ricardo Cabral: Estou a fazer um comic com o John Harris Dunning, com quem fiz o comic Wiper, também para ser editado pela Dark Horse em 2024.

Ricardo Cabral nasceu em 1979, em Lisboa. Depois de, em 2005, terminar a licenciatura em Pintura na Faculdade de Belas-Artes da mesma cidade, iniciou a sua carreira como ilustrador freelancer, trabalhando para jornais, revistas e publicidade. Em 2007, estreia-se como autor de BD, publicando o livro Evereste, uma banda desenhada sobre o primeiro português a escalar o célebre monte com o mesmo nome. Em 2009, publicou Israel Sketchbook, a que se seguiu, em 2010, Newborn – 10 Dias no Kosovo, obra premiada no Festival Internacional de BD da Amadora. Em 2011, publica Pontas Soltas – Cidades, livro premiado nacional e internacionalmente, e em 2013, Comic-Transfer. Alguns dos seus outros trabalhos em banda desenhada são o premiado fanzine Terrea (2015) e Terrea II (2016), bem como a participação nas obras coletivas Casulo (2015), Milagreiro (2015) – também disponível em língua inglesa como Miracle Worker (2023) -, TLS Series vol. 1: Cidades (2017), TLS Series vol. 2: Silêncio (2017), TLS Series vol. 3: Viagens (2018) e TLS Series vol. 4: Raízes (2020). Tem também ilustrado livros, incluindo infantis.

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