Nenhuma mulher é uma ilha: análise de A Ilha, de Mayte Alvarado.
Nenhuma mulher é uma ilha. Mas A Ilha, da autoria de Mayte Alvarado, é uma das poucas obras espanholas lançadas no nosso país nos últimos meses (cf. sinopse e previews aqui). Na verdade, em outubro do ano passado, a Levoir publicou esta obra, editada originalmente em 2021, tendo sido galardoada no país vizinho com o Prémio ACDCómic – Asociación de Críticos y Divulgadores de Cómic (sim, o nome do prémio encontra-se errado no autocolante aposto na capa e na divulgação que a editora realizou e os meios de comunicação difundiram) na categoria de Melhor Autora Revelação e o Prémio Antifaz do Salón del Cómic de València para a Melhor Obra Nacional.
Desconhecemos exatamente os critérios para a atribuição do prémio de autor revelação supracitado, dado Alvarado trabalhar, desde 2013, como ilustradora e argumentista de banda desenhada em obras como E-19 (2015), Descalzos: los doce apóstoles de México (2017), El lago (2018) e, em colaboração com Borja González, no díptico Jardín / Una caja vacía (2019), nem será essa questão alvo da nossa análise.
Concentrando-nos no livro, os leitores poderão estranhar os acabamentos da edição não serem os habituais a que a editora Levoir nos habituou. Isto é explicado por esta publicação portuguesa apresentar formato, papel e tipo de impressão idênticos ao da edição espanhola.
Com o decorrer da leitura, apercebemo-nos que a obra se encontra aparentemente dividida em capítulos, intitulados “Conto de Marinheiros”, “A Jovem”, “O Louco” e assim sucessivamente. No entanto, a sua posição destes títulos relativamente à narrativa é extremamente incomum e interessante. O primeiro desses títulos não surge no início do livro, somente algumas páginas depois. E quando surgem os seguintes, ficamos com a mesma sensação, que a narrativa fluiu naturalmente de uns “capítulos” para outros e que só um pouco depois surge o seu título. Deste modo, se a colocação do título não marca realmente o início de um “capítulo”, os seus limites ficam algo turvos e a sua própria importância existencial dilui-se. Parece-nos uma estratégia deveras original.
Algo que parece ser mais importante para distinguir momentos narrativos diferentes na obra são as cores e tons utilizados, especialmente no mar (com várias tonalidade de azul e, ocasionalmente, verde) e na terra (com os seus castanhos, beges, cinzentos, amarelos e, inclusivamente, vermelhos). Estas cores parecem evocar estações aparentemente inexistentes (“aparentemente” porque o fluxo temporal pode ser tão rápido ou demorado quanto o leitor quiser). Mas certamente evocam momentos e emoções díspares. Também é assim a vida.
Esta variação cromática é absorvida pelo cão (que, inclusivamente, tem direito a figurar no título do 4.º “capítulo”), que, quase um camaleão, reflete as cores da terra… E do mar – ou não se tratasse de uma ilha.
A obra aborda diferentes temáticas, desde o isolamento do ilhéu (e entenda-se aqui “ilha” como qualquer local ou situação que provoque a sensação de insulação) até a obrigar-se a continuar a viver após um luto grave. Como temática major, temos a própria entropia, sob a forma de uma antiga lenda que afirma que tudo será destruído, conceito esse que podemos delimitar a pequenas situações do quotidiano nas quais “tudo muda” ou estender, em larga escala, ao fim do próprio Universo.
No final, fica a sensação de que se leu algo veramente especial. E apetece, quase de imediato, reler. Afinal, o que pode mais um autor almejar?
Fundador e administrador do site, com formação em banda desenhada. Consultor editorial freelance e autor de livros e artigos em diferentes publicações.