Patos migrantes

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Patos migrantes, análise da banda desenhada de Kate Beaton.

Por vezes, somos surpreendidos com a(s) temática(s) das obras que lemos não coincidirem exatamente com aquelas que julgávamos que abordavam. Foi assim com a banda desenhada Patos, da autoria de Kate Beaton, publicada no nosso país pela Relógio d’Água.

Com o subtítulo Dois Anos nas Areia Petrolíferas, e conhecendo-se a razão da obra se designar Patos – o qual evoca um desastre ambiental no qual morreram centenas de patos após pousarem num tanque de decantação de resíduos tóxicos em 2008 -, sem dúvida que o leitor se prepara para uma obra onde as questões ambientais serão o cerne da narrativa. Mas não são, apesar de serem abordadas.

Durante a preparação da divulgação do livro que realizámos, deparámo-nos com uma entrevista da autora à The Narwal, uma revista online canadiana que investiga questões ambientais, onde se refere à questão dos patos como a ponta do icebergue. “Eu estava a ver pessoas em sofrimento, sem nenhum tipo de reconhecimento dessa situação por ninguém. E, fora de Fort McKay, havia comunidades indígenas a falar sobre os cancros que lhes estavam a ser diagnosticados, altos índices de pessoas com asma, coisas assim. E a resposta externa é sempre bastante violenta. Havia estudos de impacto ambiental feitos pelo governo que menosprezam a situação. E, então, descobrimos que, claro, estes são fortemente tendenciosos a favor do governo e do petróleo. As pessoas realmente se concentraram nos patos devido ao quão tangível era, quão horríveis eram os números e tudo o mais. Imagine ver milhares de animais mortos desta forma. É trágico. Mas imagine também ser alguém a tentar chamar a atenção por existirem altos índices de cancros raros e ninguém ligar“. Ficámos então com a ideia de que, além da poluição relacionada com a indústria petrolífera, o cerne da narrativa seriam questões relacionadas com a saúde ambiental. Mas não são, apesar de serem abordadas – com bastante cuidado, acrescentaria.

Na sinopse do livro, dá-se conhecimento que a razão que levou a autora a trabalhar dois anos nas areias petrolíferas, foi o empréstimo estudantil contraído. Tal, aliado à exploração poluidora da indústria e à quase obrigatória migração de habitantes de locais ricos do ponto de vista da natureza mas sem oportunidades para se auferirem grandes salários, poderia nos fazer pensar que a obra se iria centrar principalmente numa crítica ao capitalismo. Mas não, apesar de estar implícita.

Por outro lado, sabíamos que a obra relatava a experiência da autora, enquanto uma mulher do Canadá Atlântico, a trabalhar nas areias petrolíferas de Athabasca, em Alberta. E, na sinopse, era referido que “Katie se tinha deparado com a dura realidade da vida nas areias petrolíferas, onde o trauma é ocorrência quotidiana, mas nunca é discutido”. Seria uma obra onde uma mulher exprimiria o quão pesado é este trabalho? Estaríamos mais próximos de adivinhar a principal temática da obra, mas não seria exatamente essa.

Na verdade, tudo o que fomos evocando está interligado. A contração de empréstimos no Canadá para pagar os estudos às faculdades são um primeiro passo para tudo o que se seguirá. O sistema de ensino universitário nunca é discutido. Esta prática está tão impregnada, tornou-se tanto a norma, que é tacitamente aceite. Somente os que têm dinheiro q.b. não se preocupam com tal e a discussão na obra em torno desta questão prende-se com evocar, entre os pares, as exceções. Entretanto, fica demonstrado que uma licenciatura não implica que se consiga obter um bom emprego ou ter melhores oportunidades que a geração anterior, ao contrário do que inicialmente os pais pensam. Especialmente, em localidades pequenas.

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