Entrevista a André Oliveira e André Caetano, a propósito da obra Volta vol. 2: O Despertar dos Gigantes de Gelo.
Realizámos uma curta entrevista a André Oliveira e André Caetano, a propósito da sua mais recente obra de banda desenhada produzida em conjunto, Volta vol. 2: O Despertar dos Gigantes de Gelo (Polvo, 2023), recentemente galardoada na 5.ª edição dos Prémios Bandas Desenhadas na categoria de Melhor Ilustração em Obra Nacional.
Nuno Pereira de Sousa: Atendendo a que entre o lançamento do primeiro e segundo volume, passaram-se cerca de 8 anos, a nível de argumento e ilustração, o que acreditam que tem esta obra de diferente do que se tivesse sido lançada logo após o primeiro volume?
André Oliveira: O processo foi longo, mas não em todas as fases. A verdade é que este segundo volume foi escrito não muito tempo após o lançamento do primeiro, tendo em consideração alguns desconfortos que andava a sentir em relação à história e universos que desejava abordar. Depois, aquilo que demorou um pouco mais foi mesmo a etapa do desenho, arte final e legendagem por vários fatores. A arte é pormenorizada, leva tempo, e todos precisamos de ganhar a vida. Quando apareciam outros trabalhos pagos, o André via-se forçado a parar com este e isso é perfeitamente compreensível. Fala-se muito no tempo que este livro levou para sair, mas, naquele que é o nosso sistema e micro indústria editorial, se é que podemos sequer chamá-la assim, demora o tempo que tiver de demorar. Não é o ideal, mas é o possível. No entanto, e respondendo à pergunta, do ponto de vista do argumento, o álbum seria exatamente igual se tivesse saído mais cedo.
André Caetano: O desenho seria diferente, pois ao longo destes 8 anos sinto que melhorei em aspetos técnicos, como um maior domínio da arte final, e adquiri alguns materiais que mudaram o meu processo.
Nuno Pereira de Sousa: O vosso modo de colaboração mudou entre os dois volumes? Falem-nos um pouco de como é esse processo.
André Oliveira: O modo de colaboração foi exatamente igual ao anterior. Fui enviando o guião às partes e o André [Caetano] foi desenhando e tirando dúvidas comigo. Depois de tudo ilustrado, com validações do [editor] Rui Brito pelo meio, passou-se à arte final e à legendagem.
Nuno Pereira de Sousa: A nível de materiais utilizados, como evoluiu a produção dos 2 volumes?
André Caetano: Os materiais que usei – e vou detalhar, pois pode ajudar alguém – para desenhar estes dois volumes foram muito semelhantes. Depois de ler o argumento, desenhava miniaturas das páginas, trabalhando a composição, layout das vinhetas e indicando onde estariam os balões. Para esta fase, usei um porta-minas HB em papel de 70 ou 80g. Partilhava estes layouts com o André Oliveira. A seguir, depois da aprovação dos layouts, desenhava o lápis final com o mesmo porta-minas, em papel Canson A3 “Illustration” com 250g, pois esta gramagem maior aguenta melhor a luta que às vezes ocorre na batalha do desenho. Na arte final, utilizei um pincel Winsor & Newton series 7 n.º 2, com Indian Ink preta da mesma marca e uma caneta Rapidograph 0,7 e régua, para os contornos das vinhetas. Antes de arte-finalizar, digitalizava sempre os lápis para ter uma cópia de segurança caso precisasse de repetir e para partilhar com o André Oliveira e o Rui Brito. Para me ajudar a desenhar, esculpi cabeças dos anciões, como narizes parecidos aos personagens principais, em massa de moldar, e usei um boneco articulado. Para os cinzas, usei o software Adobe Photoshop e uma mesa digitalizadora Wacom Intuos L, ligada ao meu computador. O que mudou no segundo volume, com exceção das primeiras 16 páginas, foi, sobretudo, no material com que passei a desenhar o lápis final e as miniaturas. Para isso utilizei uma mesa digitalizadora Wacom Cintiq, que facilitou muito o desenho digital, pois tem um ecrã, ao contrário do modelo que usei no primeiro volume. Para corrigir coisas, pintar cinzas, etc., é muito mais rápido pois é semelhante a desenhar no papel. Ao ter o lápis digital, se quisesse repetir por algum motivo, bastava imprimir de novo o lápis em azul claro, o que me libertou muito da – alguma – pressão que sentia na altura de desenhar com tinta. Passei a divertir-me muito mais nesta fase. O que mudou também foi como pintei os cinzas, pois escolhi apenas dois tons e aplicava a percentagem consoante a importância dos elementos. Para me ajudar a desenhar, criei modelos 3D dos personagens no software Adobe Fuse, que foi descontinuado entretanto, e comprei modelos de uma raposa, uma lebre e um touro. Esculpi também uma miniatura do Ebu para me ajudar a perceber como funcionaria em 3D o seu corpo imenso. A arte final continua a ser com o mesmo pincel, tinta e papel.
Nuno Pereira de Sousa :Volta foi pensada enquanto trilogia. Neste momento, mantêm-se estes planos?
André Oliveira: Sim, será uma trilogia. Começaremos em breve a trabalhar no terceiro.
Nuno Pereira de Sousa: Frequentemente, numa série, o design de personagens e worldbuilding é mais trabalhoso no primeiro volume. No entanto, atendendo a que este segundo volume é quase um novo universo, quais foram os maiores desafios em O Despertar dos Gigantes de Gelo?
André Caetano: Eu diverti-me muito com este novo universo, tanto a desenhar as personagens, como os cenários. Gosto de partir do real e dar a minha estilização ou abordagem e, para isso, fiz alguma pesquisa de fotos, tanto no digital como em livro. Criei referências 3D, digital e analógicas, usei modelos para desenhar à vista e aperceber das formas, para me ajudar a chegar ao resultado final. Como eu e o André Oliveira temos referências semelhantes, foi fácil chegar a um consenso. Talvez o Ebu tenha sido um dos personagens mais desafiantes, pois era muito diferente de todos os outros. Aqui senti a necessidade de o modelar em 3D para me ajudar a visualizar e compreender como se podia mover em 3D e nos vários ângulos. Desenhar a neve também foi um desafio visual que me deu alguma luta.
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Fundador e administrador do site, com formação em banda desenhada. Consultor editorial freelance e autor de livros e artigos em diferentes publicações.