Exposição Paper Wraps Rock

Exposição Paper Wraps Rock

Exposição Paper Wraps Rock

Exposição Paper Wraps Rock de Francisco Sousa Lobo.

No dia 11 de abril, às 18h00, é inaugurada a exposição retrospetiva de banda desenhada, desenho e gravura Paper Wraps Rock de Francisco Sousa Lobo no Ar.Co – Centro de Arte e Comunicação Visual.

Há nesse mesmo dia uma performance do artista intitulada “Reencontro”, às 19h00, e lançamento da segunda edição do livro Deserto e Nuvem (não é gralha – este é o título correto da 2.ª edição de Deserto/Nuvem), pela Chili com Carne, e da edição de autor serigrafada Paper Wraps Rock produzida na Oficina de Gravura do Ar.Co.

Às vezes é preciso começar exactamente pelo princípio, o que no meu caso implica não sair do mesmo sítio, já que comecei e acabei na banda desenhada. A banda desenhada foi primeiro a minha muralha, depois o meu labirinto, e finalmente a minha saída e o meu regresso a casa. No meio insistiram que eu fosse arquitecto, passei quinze anos nessa profissão. Depois fui finalmente estudar arte, primeiro no Ar.Co e depois em Londres, no Royal College of Art e em Goldsmiths. Paper wraps rock reúne os meus livros de banda desenhada de 2013 a 2023, além de gravuras e desenhos recentes.

– Francisco Sousa Lobo
Exposição Paper Wraps Rock

Segundo uma conversa recente que tivemos, a última exposição que marcou fortemente Francisco Sousa Lobo foi aquela que também me deixou uma impressão esmagadora: a retrospectiva Philip Guston na Tate Modern. Eu conhecia mal Guston, descobri-o primeiro por causa da literatura (era amigo de Philip Roth, que sobre ele escreveu), e depois devido a uma das sazonais «polémicas» do mundo das artes, quando se discutiu se as suas representações do Ku Klux Klan, ainda que produzidas em assumida chave anti-racista, não seriam hoje tidas como ambíguas, inquietantes, perturbadoras, e toda uma série de outros termos que deviam ser qualidades, não defeitos.
As últimas obras do Francisco, e as antigas, sejam comics, desenhos, gravuras, ilustrações, são perturbadoras, ambíguas, inquietantes. De tal modo que instauram uma legibilidade que compreende contradições hipotéticas e conjugações improváveis: foi assim que não estranhei ouvi-lo dizer que nesta mostra na Ar.Co talvez houvesse uma intervenção sobre «psicose e santidade», que nem são, bem vistas as coisas, as noções mais incompatíveis que se possa imaginar. Há sempre em Sousa Lobo uma experiência a que chamaria «being Sousa Lobo», não apenas no sentido de estarmos na cabeça do artista, mas de ele ter, digamos, uma cabeça de artista, unindo os contrários, jogando com as oposições, arriscando saltos ousados e no fim de contas mais do que justificados (a saúde mental, o catolicismo, a família, a violência sexual, o meio artístico, a vocação, o isolamento, a ideologia).
O Francisco perdeu há anos uns cadernos de esboços e ideias que eram a «nuvem» de muitos livros futuros. Apesar disso, continua não sabemos bem como a ter acesso àquilo que já não tem, ao que esqueceu, ou ao que existe no limbo dos projectos não concretizados: veja-se a magnífica série Palácio, elegia a esse tesouro desparecido. Os seus comics não são comédias, mas comédias humanas, onde convivem a invenção e o autobiografismo desarmante e corajoso, a austeridade e a exuberância cromática, o discurso académico e o delírio, as figuras desconhecidas e as conhecidas (como, nesta mostra, Yves Klein ou Bas Jan Ader, magníficos obsessivos), as personagens frágeis e as ameaçadoras, ou os compósitos de «alta» e «baixa» cultura como o «gnomo Rancière». Muitas vezes, o que fica a ressoar na nossa cabeça quando terminamos um livro seu é uma frase terrivelmente confessional e como que suspensa no ar, ou um plano aproximado ou distante, ou o extremo desamparo de uma personagem, ou o desenlace não consolador de uma história sombria. Tal como em Guston, os fantasmas pessoais e os fantasmas políticos não se distinguem, de modo que o «eu» tem medo daquilo que teme e medo daquilo que deseja.
Em vez de mais um «pós-moderno» com «pós-convicções», temos aqui um artista convicto, mas dividido, capaz de trabalhar com diferenças e contrastes, e de fazer disso não uma «dissonância cognitiva», mas uma espécie de pathos, assustador e humorado, pessimista e lúdico. Esse pathos pode tornar-se literalmente patético, ou seja, embaraçoso; mas trata-se de um embaraçoso que não reconhece sequer a categoria «embaraço», pois isso seria um grave obstáculo à necessidade extrema de expressão e à sinceridade extrema. Acontece isso com Dostóievski, ou com Raul Brandão, escritores capazes de seguir o sofrimento até onde ele os levar, porque no sofrimento identificam uma verdade humana fundamental. E é assim com Sousa Lobo, que conjuga a leveza e a fantasia do papel e a dureza e a evidência de uma pedra.

– Pedro Mexia

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