A Adopção Ciclo II: Ah, este Zidrou…!

Análise de A Adopção Ciclo II: Wadji | Os Arrependimentos, da autoria de Zidrou e Arno Monin.

Recentemente, foi publicada em Portugal A Adopção Ciclo II: Wadji | Os Arrependimentos, da autoria de Zidrou e Arno Monin.

A Adopção. A adopção é algo muito pessoal. Muitas vezes, o último recurso de casais que não conseguem ter filhos. Outras tantas, decisão ponderada de casais que não querem deixar órfãos sem pais.

Depois da adopção, vem a adaptação ao novo lar, novos hábitos, diferentes educações. Um mundo novo que nem sempre é fácil de assimilar.

Mas, e quando o órfão tinha uma família estruturada – pai, mãe, irmãos – e a guerra tudo lhe tirou? E quando tem de tentar sobreviver num mundo cão que é o que pode ser um campo de refugiados?

É esta a premissa de Adopção – Ciclo II (cf. sinopse e previews da edição portuguesa aqui), segundo álbum duplo desta série criada por Zidrou e Arno Monin e onde a sensibilidade excepcional dos autores não cessa de nos encantar, tal como aconteceu no volume anterior (ver artigo “A Adopção: O Toque Zidrou!“), igualmente publicado em Portugal pela Ala dos Livros.

Zidrou é o argumentista de Banda Desenhada que consegue, invariavelmente, transformar uma história simples em algo maravilhoso. E Monin consegue, com a sua arte, imergir-nos nessa narrativa maravilhosa, conferindo-lhe um toque mágico que passa muito pela expressividade dos seus personagens.

Mas nem sempre as histórias maravilhosas decorrem às mil maravilhas…

Vamos à história!

A casa é moderna, de gente endinheirada. À porta, hesitante, está o pequeno Wadji. Na verdade, o seu corpo franzino não deixa transparecer as suas dez primaveras. Isso e o facto de suportar às costas uma mochila quase do seu tamanho – ao contrário do casacão com capuz vários números acima.

Do lado de dentro da casa, Gaëlle, uma mulher de meia idade, chama-o para dentro. Estende-lhe a mão, como que a incentivá-lo. Mas Wadji não estende a sua, limitando-se a entrar. “Bem-vindo à tua nova casa!”, diz Gaëlle, a sua mãe adoptiva.

Lá dentro, o comitê de boas-vindas espera com ansiedade o jovem iemenita. Romain, o pai adoptivo; Esterina, a nova irmã, mais conhecida por Ess; os tios, o primo e até Panda, o gato da família Guitry.

Mas Wadji parece não se sentir à vontade. Não tira o casaco, como se mantivesse de prontidão para uma qualquer fuga de emergência. Reage amedrontado ao “pop” soltado por uma rolha de champanhe. E entra em pânico quando o duche o ataca por todos os lados. E a tudo isto junta-se o facto de não saber uma palavra de francês.

Como refúgio, Wadji tem o seu novo e enorme quarto, repleto de brinquedos de Ess e do seu irmão Joseph e que agora são dele.

Os primeiros dias são tão atarefados quanto complicados. O rapazinho ainda não foi para a escola, não arruma nada no seu quarto e rejeita os beijos e carinhos da sua nova família.

Cheios de boa-vontade e apoiados por toda a família e amigos, os Guitry enchem-se de paciência. Wadji conheceu os piores horrores no Iémen e durante o longo trajecto que o levou ao país de acolhimento.

A vida até parece correr normalmente. É o começo da escola, a compra de roupas novas, as primeiras palavras em francês, as apresentações a toda a família. Mas face à dureza do rapaz, e não podendo exprimir todo o amor que sentem por ele, os pais adoptivos sofrem em silêncio. E isso até não é nada, comparado com o que se avizinha…

Por seu lado, Wadji não está bem. E dentro do seu ser escondem-se sentimentos negros e perturbadores…

Em primeiro lugar, há que dizê-lo: Zidrou é um mágico dos sentimentos, mas sem exageros e dramas de cordel. Aliás, é por isso mesmo que é mágico. As suas histórias aparentemente simples e imediatamente perceptíveis são, na verdade, fruto de um grande trabalho e de uma mestria na escrita que se traduz em narrativas irremediavelmente envolventes.

Dito isto, embora a estrutura narrativa deste Ciclo II seja idêntica à do díptico anterior, o foco desta Adopção é perfeitamente distinto. Agora, ao invés de estarmos perante um casal jovem, sem filhos, que adopta uma criança que acaba por cair nas graças do avô adoptivo, estamos perante um casal de meia-idade, com filhos já na idade adulta e que serve como família de acolhimento para um rapazinho refugiado iemenita.

É importante que a distinção seja feita pois Zidrou, de forma tão cândida quanto veemente, lança um olhar duro e crítico sobre aqueles que acolhem uma criança pelas razões erradas. Aqui, os pais não são de essência má, mas não conseguem “escutar” o rapaz e perceber o seu passado e as suas necessidades. Procuram antes dar resposta às suas próprias necessidades: preencher o lugar do filho que foi estudar para bem longe de Nantes e fazerem vista perante o resto da família e vizinhos. Já Wadji, incapaz de exprimir verbalmente o seu desânimo, a sua cólera e o seu medo, exterioriza as suas emoções semeando o caos.

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