
Análise de Spirou: A Esperança Nunca Morre…, Quarta Parte.
Antes de se iniciar a análise propriamente dita da quarta parte de Spirou: A Esperança Nunca Morre…, relembre-se que foi há 80 anos, mais precisamente a 6 de Junho de 1944, que as forças Aliadas desembarcaram nas costas da Normandia, iniciando a reconquista do noroeste da Europa ocupada pelas forças nazis. O dia, como todos sabem, ficou conhecido por Dia D e significou o começo do fim da Segunda Guerra Mundial.
Mas os Aliados só chegaram a Bruxelas a 4 de Setembro do mesmo ano – quase três meses após o desembarque na Normandia.
E é neste momento, um mês antes dos americanos entrarem na capital belga, que vamos encontrar Spirou e Fantásio.
Mas embora a guerra esteja no fim, ainda falta um ano para terminar e muito mais para que os traumas do longo conflito se dissipem de alguma maneira das mentes daqueles que o viveram. E mesmo até ao derradeiro minuto, há sempre uma bala que pode ter o nosso nome.
Ao longo de três volumes, Émile Bravo preparou-nos para o desfecho deste quarto volume de A Esperança Nunca Morre… (ver artigos Spirou – A Esperança… Apesar de Tudo! e A Esperança Nunca Morre… – Do horror a uma doce nostalgia), mas não nos preparou o suficiente.
Em A Esperança Nunca Morre… quarta parte, publicado recentemente pelas Edições Asa (cf. sinopse e previews da edição nacional aqui), sabemos logo de princípio como vai acabar o conflito, mas ignoramos por completo o destino que Bravo vai dar aos seus personagens.
Como disse em artigo anterior, “Terror e ternura. Modernidade e nostalgia”, são as características centrais desta tetralogia. Mas agora, Émile Bravo acrescenta uma outra – o realismo adulto…
Vamos à história!

Maio de 1944. Algures na Bélgica.
No topo da ravina, em plena luz do dia, Spirou está tão perto dos carris que o vento do comboio que passa a grande velocidade quase o leva consigo. Ele sabe que, um pouco mais à frente, a ponte está minada. Mas ao contrário do que pensavam, este comboio, ao invés de tropas e de armamento, vai carregado de deportados em direcção à Alemanha.
Subitamente, de uma das carruagens, soldados alemães avistam Spirou e disparam várias vezes sobre ele. Spirou não tem outro remédio a não ser mergulhar na ravina, rebolando sem controlo até uns pedregulhos. Magoado, mas sem nenhuma bala no corpo, dá de caras com Fantásio que também procurara abrigo nos rochedos. Este, furioso, está prestes a fazer saltar a ponte armadilhada. Mas Spirou impede-o, alegando ter ouvido a voz do seu amigo Félix e que aquele seria um comboio de prisioneiros.

Enquanto debatem acerca de fazer ou não saltar a ponte, aproxima-se um comboio militar. Fantásio procura o detonador; não o encontra. O comboio entra na ponte; Fantásio desespera; mas a ponte explode, levando consigo todo o comboio num mergulho para o abismo.
Enquanto se interrogam sobre quem terá detonado as bombas, encontram Spip sobre uma rocha com o detonador à sua frente.
De regresso ao acampamento da Resistência, são aclamados como heróis por terem conseguido levar a missão até ao fim. Mas questionados por Spirou se não deveriam ter parado o comboio de prisioneiros para os libertarem, o rapaz tem como resposta “O quê? Mas que ideia!” E quando dizem a Spirou que terão de ordenar aos agricultores da quinta ao lado que a abandonem e que não os avisaram previamente porque não pertencem à Resistência, Spirou mostra-se indignado e vai avisar Anselme e Ernestine.
Semanas depois de se manterem escondidos na floresta, e recebendo a notícia que os Aliados tinham entrado na Bélgica, o grupo de Spirou parte para Bruxelas naquela que será a derradeira aventura. As tropas alemãs batem em retirada aplicando a política da “terra queimada”. As estradas e caminhos são perigosos e o camião de Spirou é atacado com mortíferas rajadas de metralhadora. Nem todos vão sobreviver…

Neste quarto e último volume da tetralogia A Esperança Nunca Morre…, vamos acompanhar os derradeiros momentos da Segunda Guerra Mundial em território belga, através do olhar crítico de Spirou e Fantásio, cada um com sensibilidades muito próprias.
A narrativa de Émile Bravo vai levar-nos pelos inúmeros episódios trágicos da guerra e pela integração de Spirou e Fantásio nas fileiras da Resistência belga um pouco contravontade.
Uma lição de história grandiosa. Mal nos apercebemos dela ao longo do livro, excepto se considerarmos todos os pequenos episódios como reais – que o são – talvez com outros protagonistas de não-ficção.
O fim anunciado de uma guerra nunca é o fim das hostilidades. E Émile Bravo mostra-o bem. Os efeitos colaterais são muitos, sobretudo para a população civil de ambos os lados. A destruição e a fome não desaparecem só porque já não se disparam obuses. E a sede de vingança torna-a cega e cruel. Para os mais atentos, este aspecto é tratado com grande sensibilidade por Émile Bravo no momento em que Spirou chega a Bruxelas e a turba exaltada de bruxelenses se prepara para linchar supostos colaboracionistas dos alemães.

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Amante da literatura em geral, apaixonado pela BD desde a infância, a sua vida adulta passa-a toda rodeado de livros como editor. Outra das suas grandes paixões é o cinema e a sua DVDteca.
Mais uma soberba recensão crítica onde se evidenciam as virtudes da obra, numa visita guiada à mesma pela mão de um leitor que já verteu o seu olhar e imensa sensibilidade por muitas BD ‘s e não só.
Caro Rui, agradeço as suas gentis palavras, mas as virtudes estão mesmo é na tetralogia de Émile Bravo. E se quiser mais e com o mesmo tipo de sensibilidade, acaba de ser publicada no nosso País nova obra do autor: A Minha Mamã Está na América…
Abraço