Fartos

Fartos

O terceiro e último zine de Os Positivos de 2020.

O autor anónimo d’ Os Positivos cumpre uma das suas metas para 2020 com a edição do terceiro zine planeado para este ano. A semelhança dos títulos pretende trazer alguma unidade à forçada trilogia (Marcos/Parcos/Fartos), mas – quisesse o autor – poderia ter inclusivamente mantido a premissa de alterar uma só letra no título, pois o presente zine também fala de barcos.

Os 3 zines têm estruturas muito distintas, apesar de uma leitura menos atenta poder enquadrá-los no mesmo âmbito – antologias de material previamente publicado no site Os Positivos.

Marcos 2020, o primeiro zine de 2020, é uma coletânea de bandas desenhadas publicadas no site supramencionado (e algum material inédito), com uma seleção do material publicado entre 2016 e 2020. A quase totalidade das BD acompanharam originalmente artigos de reflexão sobre determinadas temáticas que interessam ao autor (artsy fartsy, valorização da publicação digital em detrimento do papel, etc). Nesta antologia, as mesmas são estripadas dos artigos e é-lhes dada uma nova ordem de apresentação – que não segue a cronologia original – colocando um novo desafio, a validação das BD per se e não enquanto ilustradoras de artigos.

Parcos de Cerimónias, o segundo, compila 12 dos textos originalmente escritos em janeiro de 2018 dedicados ao artsy farty, dando, desta forma, um corpo físico à crítica / ensaio sobre banda desenhada e áreas com as quais se cruza, realizado então. De modo a ilustrar o zine, o autor seleciona um conjuntos de tiras de BD e cartoons d’ Os Positivos publicados online entre 2017 e 2020, os quais, foram, portanto, retirados de outros artigos onde se discutiam outras temáticas. Deste modo, é-lhes conferida novamente a função de ilustração de artigos, mas não aqueles para os quais foram inicialmente criadas.

E, por fim, Fartos, compila cronologicamente as tiras publicadas entre março e setembro de 2020 (para além de 2 ilustrações do zine ilustrado A História do Barquinho de 2003), as quais correspondem aos primeiros meses da epidemia de COVID-19 no nosso país. Tal como nos anteriores, é possível que a leitura das BD lhes faça relembrar os artigos a que dizem respeito. E, como é apanágio da obra do autor, é frequentemente existirem diferentes camadas de leitura, aos quais os leitores podem ser alheios – as private jokes ou private messages são um dos elementos quase transversais n’ Os Positivos. No entanto, a sua independência quanto aos artigos que originalmente ilustram é possivelmente ainda mais forte neste terceiro zine, pois o autor construiu as tiras de modo a poderem constituir um corpo narrativo único – a história (humorística) de uns náufragos numa ilha.

A aplicação de cor é extremamente contida e, tal como nos zines anteriores, o seu surgimento (seja numa palavra rasurada ou num logo) surpreende-nos sempre, habituados que estamos com os tons de cinza e a cor preto.

Dos vários textos publicados no site, “No Man Is an Island” é o que é escolhido para intróito do zine. O autor refere-se a ele como algo difícil, no qual apresenta um pedido de desculpas pelo seu mal-dizer… A obras, a autores… Em especial àqueles com os quais sente afinidade (mas aos quais, aparentemente, parece ser incapaz de não fazer uma visita guiada ao pior). Terá este zine características semelhantes às de uma catarse? O futuro trará mudanças na forma como aborda a crítica? Ou, ao invés, é uma simples forma de explicitar como o autor trabalha, como se declarasse que não é nada de pessoal, mas que ninguém é capaz de alcançar as suas altas expetativas? O futuro (2021?) dirá…

Clique nas imagens para as visualizar em toda a sua extensão:

Eis a sinopse:

Três em três: fechamos marcos em zines para 2020 contra o lufa-lufa cultural-subserviente das 9 às 6, tão atufados de pareceres e parcos em apeteceres. Desses: uma catástrofe mundial apanhou-nos de surpresa melancólico, tínhamos outros destinos em mente mas a desgraça encalhou-nos numa desolação diferente da planeada. Arrastados contra vontade para um cenário desabitual, os nossos amiguinhos fazem-o-que-fazem com alguns comportamentos inesperados que só podemos supor terem explicação adiante, talvez noutro zine, quiçá até em banda desenhada formal para gentio ler. São arcos narrativos que se estendem para a frente mas igualmente para trás, quiseram as musas que cruzássemos mundos com o longínquo “A História do Barquinho” de 2003, primeiro e único conto ilustrado dos P+ para crianças. Quem (mesmo: quem?) então leu esse shortstory fará interpretações mais ricas do zine que tem em mãos. Dessas: neste derradeiro capítulo a fechar ano de novos máximos em calamidades civilizacionais, exponenciamos preceitos iniciados nos volumes anteriores: do primeiro ficam os comix como entidades ilhadas do seu contexto original, do segundo as abstrações ignoram literaturas adicionais. Deixámos cair origens, não cruzamos outros mapas, a maioria da BD escapa-lhe em definição per se refugiando-se do verbatim à laia da ilustração legendada. Encontram uma muleta possível às leituras na linha de tempo, Fartos é inteiramente composto pelos primeiros meses da pandemia, e fora excepções o zine segue a sequência de publicação original. Onde obrigados a encaixar o art/work ao espaço disponível não cremos trair intenções, mas de conteúdos e formatos já tivemos essa conversa antes.

Fartos
autor anónimo
Edição: Os Positivos
Páginas: 44, a cores
Dimensões: A5
Encadernação: agrafes

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