Andrew Smith: “O legado da comédia britânica influenciou o meu sentido de humor”

Andrew Smith: “O legado da comédia britânica influenciou o meu sentido de humor”

Entrevista a Andrew Smith sobre a banda desenhada Lobisomem e outros projetos.

Nuno Pereira de Sousa: Antes de vires morar para Portugal, publicaste banda desenhada em vários fanzines e revistas britânicas. O que nos podes dizer sobre esses trabalhos?
Andrew Smith: A minha primeira experiência na produção de banda desenhada com uma data de entrega foi para o fanzine do clube de aviação de Stilton. Eu tinha 17 anos e o clube de aviação de Stilton era um local obscuro do tipo “faça você mesmo”, escondido no interior da Inglaterra. Mais tarde, depois de me formar em belas artes, o meu primeiro cartoon publicado numa revista conhecida foi para a revista de humor Punch. Deixou de ser publicada pouco depois, mas acho que o meu cartoon não teve nada a ver com isso (risos). Nos dez anos seguintes, trabalhei como ilustrador freelancer, fornecendo caricaturas políticas, ilustrando artigos e outras comissões. Também produzi bastantes tiras para a revista de banda desenhada de humor adulto Zit, tendo sido uma experiência formativa ter que pensar em novas ideias todos os meses. Nunca mostrei à minha mãe alguns dos trabalhos que fiz para a Zit, pois eles regularmente me pediam para incluir conteúdo mais “adulto”.

NPS: Parece que Portugal conquistou-te e à tua família. Como isso aconteceu? Em que ano começaste a viver em Portugal? E porque escolheste Serpa para viver?
AS: Em 2010, eu e a minha esposa tivemos a sorte de realizar uma ambição que tínhamos, a de viajar pela Europa por um ano. Devido ao nosso interesse em arte, arquitetura e coisas peculiares, tínhamos uma lista de “imperdíveis”, como Toledo e Fátima. Quanto a Serpa, confesso que não constava dessa lista. Mas nós pararíamos em locais de interesse ao longo de nossa rota. Nós lemos algo àcerca de um modelo de cera em tamanho real da Última Ceia, em Serpa. Nunca encontrámos a Última Ceia – descobrimos depois que ela estava a ser restaurada -, mas encontrámos uma cidade e região que conquistou os nossos corações.

NPS: Desde que vieste para Portugal, ainda publicas banda desenhada no Reino Unido?
AS: A minha carreira de freelancer chegou a um ponto em que muitos dos meus empregos regulares terminaram. As razões disso foram as empresas cortarem nas despesas internas das revistas, as revistas pararem de publicar e, num dos casos, o dono da revista ser um pouco trapaceiro e não pagar aos artistas. Então, como eu sabia que era um péssimo autopromotor e como o mercado era competitivo, decidi me reciclar como professor de artes. E, quando estava a ensinar, descobri que tinha pouco tempo para a arte. No entanto, eu ainda autopublicava alguns zines.

NPS: Tens publicado BD na antologia anual da Bedeteca de Beja, Venham +5. Conta-nos sobre essa experiência. Que feedback tens sobre as bandas desenhadas que têm surgido nessa revista?
AS: A descoberta da Bedeteca de Beja foi um feliz acaso. É um lugar maravilhoso! Fui muito bem recebido pela Susa [Monteiro] e pelo Paulo [Monteiro], que me convidaram para entrar no atelier [Toupeira]. Aqui, conheci um grande grupo de pessoas e fiz muitos bons amigos. Ter o meu trabalho publicado no Venham +5 é maravilhoso! Isso deu-me confiança para redirecionar as minhas energias para ilustrar banda desenhada.

NPS: No ano passado, a Bedeteca de Beja publicou a tua banda desenhada O Desastre do Palhaço na Coleção Toupeira. Como foi o feedback?
AS: O Desastre do Palhaço foi a minha tentativa de criar uma banda desenhada subversiva sobre a guerra. A BD destacou o óbvio; que a guerra é muito perigosa, e, também, que nem sempre está claro quem são “os bons”. No final, uns soldados transformam-se em zombies flamejantes. Como feedback, algumas pessoas acharam a história confusa e outras disseram que era muito articulada.

NPS: Tiveste também uma exposição da tua banda desenhada em Beja. O que nos podes dizer sobre isso?
AS: Parecia uma retrospetiva, pois a exposição tinha exemplos de bandas desenhadas de todas as décadas em que trabalhei. Adoro o Festival Internacional de BD de Beja. Gostei da oportunidade de conhecer e conversar com artistas internacionais e entusiastas de BD.

NPS: Este ano, a Chili Com Carne publicou Lobisomem e Outros Mitos, o Mesinha de Cabeceira #40. Como surgiu essa oportunidade?
AS: Foi no Festival Internacional de BD de Beja que o Marcos [Farrajota] me convidou para produzir uma BD. Eu tinha falado com ele no Amadora BD e fiquei impressionado com o trabalho publicado pela Chili Com Carne. Então, fiquei muito feliz quando ele me convidou. Na altura, eu já tinha feito algumas tiras d’Os Três Pastorinhos. Então, teci a história do lobisomem em torno disso.

NPS: Nesta BD, parece que tens experiência com autocaravanas. A vida numa autocaravana em Portugal é diferente dessa vida noutros países?
AS: Eu adoro acampar. No norte da Europa, o campismo é muito regulamentado e, geralmente, apenas é feito em parques de campismo. Em Portugal, o campismo também é regulamentado e os parques de campismo são relativamente baratos. Mas alguns europeus do norte optam por ignorar as proibições de acampamento e fazem “acampamento selvagem”. Ou pagam alguns euros para acampar nos grandes parques de estacionamento do Algarve. Sempre me irritei um pouco com as pessoas que tiveram uma experiência de vida limitada neste país e que têm opiniões, muitas vezes, mal informadas sobre Portugal.

NPS: Grande parte da banda desenhada é dedicada a Os Três Pastorinhos. Que perceção tinhas sobre o milagre de Fátima antes e depois de vires morar para Portugal?
AS: Eu tinha lido sobre o milagre de Fátima, pela primeira vez, no livro “The Rough Guide to Unexplained Phenomena”. Os lugares de milagres e magia fascinam-me. Com o tempo, aprendi mais sobre o contexto dos milagres e tentei refletir isso em Lobisomem.

NPS: O Humor e a ironia parecem estar omnipresentes nas tuas bandas desenhadas. Porque razão tal acontece?
AS: Talvez seja parte da minha herança cultural. Não acho que o uso de ironia seja exclusivo das ilhas britânicas, mas está embutido no nosso sentido de humor. Autodepreciativos e muitas vezes sarcásticos, os britânicos usam a ironia para “gozar” com quase qualquer pessoa ou coisa. Os britânicos também têm uma reputação de fazerem uso da sátira, do humor absurdo – Monty Python – e do humor com duplo sentido – Benny Hill. O legado da comédia britânica influenciou, naturalmente, o meu sentido de humor.

NPS: Do que mais sentes falta de Inglaterra? E, quando regressas a Inglaterra, do que mais sentes falta de Portugal?
AS: Sinto saudades dos amigos e da família e também de peixe com batatas fritas, cerveja autêntica e [a pasta para barrar] “Marmite” – servidos separadamente, é claro (risos). E quando estou na Inglaterra também sinto falta dos meus amigos e das migas com carne grelhada, da acessibilidade da música ao vivo e da possibilidade de desfrutar de eventos ao ar livre sem ter de me preocupar com a chuva.

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